quarta-feira, março 28, 2007




Talents em Copacabana
por Ana Paula Sousa*
O lançamento de 300 de Esparta mostra como um sucesso é construído
http://www.cartacapital.com.br/edicoes/2007/marco/437/talents-em-copacabana


Eles são sempre chamados talents. E quem não souber o que é talent, que providencie um dicionário. Nas junkets dos blockbusters, com entrevistas em formato round-table e première no red carpet, muitas são as expressões estrangeiras. Prática consagrada dos grandes estúdios, a junket, trocando em miúdos, é um evento destinado a reunir jornalistas dos mais variados veículos e países para a divulgação de um filme embalado para o sucesso. A palavra junket também pode designar piquenique ou festa.

Pois aconteceu no Brasil, pela primeira vez, uma junket de porte e feições internacionais. Na segunda-feira 19 e na terça 20, cerca de 60 jornalistas latino-americanos reuniram-se no suntuoso Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, para acompanhar o talent tour do filme 300 de Esparta, que entra em cartaz em 550 salas do País na sexta-feira 30. O primeiro dia foi reservado para jornais e revistas. O segundo, para as tevês.

Se a estratégia é velha conhecida dos jornalistas da área cultural, o mesmo não se pode dizer do público. Explicitar esses mecanismos invisíveis é uma boa maneira de compreender de que modo um filme é preparado como produto para consumo. Estouro nas bilheterias norte-americanas, com 130 milhões de dólares arrecadados em duas semanas, a história em quadrinhos de Frank Miller estréia sob a aura de novidade, de “algo como você nunca viu”, como repisaram diretor, atores e produtores durante as entrevistas.

Autodefinições animadas de um lado, confetes de outro, as entrevistas soam a encontro de fãs com ídolos. Se, em outros tipos de reportagem, os entrevistados ficam à mercê dos jornalistas, que definem o assunto a ser abordado e não raro transformam duas horas de conversa numa única (e por vezes desconexa) frase, quando se tem à mesa um talent, leia-se diretor e atores, a lógica é inversa.

Cabe à distribuidora, neste caso a Warner Bros., a definição de quem fala com quem, a que horas e por quanto tempo. De modo subliminar, o próprio tom da entrevista é dado de antemão, por meio da atmosfera criada. As instruções foram passadas no momento do convite e reiteradas quando os jornalistas chegaram ao hotel em que se hospedaram, o Excelsior Copabacana, de domingo para segunda-feira. Algumas das regras:

– As entrevistas terão 20 minutos.

– Não serão permitidas solicitações de fotos, salvo na sessão oficial de fotos da junket.

– Não serão permitidas solicitações de autógrafos.

– Perguntas que abordem aspectos da vida pessoal dos atores e/ou do diretor não serão permitidas.

Normalmente realizada no México ou em Los Angeles, a junket veio parar no Brasil, muito provavelmente pela presença de Rodrigo Santoro no elenco, como o Rei Xerxes, o persa que Leônidas e seus 300 homens tiveram de enfrentar na duríssima Batalha de Termópilas.

“Atores internacionais fazem parte da globalização e contribuem para que o filme viaje melhor”, explica José Carlos Oliveira, diretor-geral da Warner no Brasil. “Tentamos fazer a junket do Superman no Brasil, mas acabou sendo no México. Que eu me lembre, nunca houve nada desse porte aqui. Acho que inauguramos uma nova fase.”

O produtor Gianni Nunnari atrela a escolha do Brasil à presença de Santoro no elenco. Estaria a escalação do ator ligada à tentativa de aumentar o público por aqui? “Completamente. Essa foi a nossa intenção inicial ao ter Rodrigo”, diz, num ato falho logo corrigido. “Quer dizer, em primeiro lugar, é porque ele é um ator fantástico, jovem e profissional. Depois, também pensamos que seria ótimo ter alguém da América do Sul, que isso ajudaria o filme a ter mais público.”

Isso só as bilheterias dirão. Mas é certo que um evento como o de Copacabana dá ao filme extraordinários níveis de visibilidade. Difícil que algum brasileiro não tenha ouvido falar de 300 nos últimos dias. Da capa do caderno de cultura do jornal O Globo ao programa Super Pop, de Luciana Gimenez, na RedeTV!, Santoro e seus companheiros de filme desfilaram soberanos.

“Acho que temos uma relação de parceria com a imprensa, até porque temos conteúdo a oferecer”, diz Oliveira. “Se organizamos as mesas e estipulamos o tempo, é para fazer com que o maior número possível de jornalistas fale do filme. É apenas um contrato e participa quem aceita. Não temos preocupação alguma com o controle de conteúdo.” Nem seria preciso. O clima durante as entrevistas é amistoso. São comuns lances de tietagem.

O formato round-table consiste na reunião de cinco ou seis jornalistas numa mesa – redonda, de fato – à qual os entrevistados se sentarão. Pela sala, passa também alguém da Warner, cronômetro pendurado no pescoço a controlar os minutos. À mesa em que CartaCapital foi colocada, estavam também jornalistas da Folha de S.Paulo, do site Herói, do Jornal do Vídeo e da Folha de Alphaville. Um veículo acaba por neutralizar o outro.

Exemplo: perguntas sobre a polêmica internacional em torno do filme, que foi acusado pelo governo iraniano de demonizar seu povo e que tem um discurso final que remete à fala de Bush e suas justificativas para a invasão do Iraque, não vingavam. O diretor Zack Snyder chegou a dizer que não tinha essa intenção: “O filme não é ofensivo, até porque não se pretende um relato da história, como um filme como A Paixão de Cristo. Eu também não queria que o Leônidas parecesse o Bush e lamento que, no mundo atual, a expressão ‘lutar pela liberdade’ tenha se tornado quase obscena. É como se a idéia de lutar pela libertação de um povo fosse uma coisa ruim em si”.

Snyder, um diretor vindo da publicidade e hábil no discurso como um bom vendedor, parecia disposto a falar de política. Mas, enquanto concluía a fala sobre Bush, um jornalista atalhou: “Conte como foi o seu encontro com Frank Miller”. Agradecimentos pelo filme e gargalhadas à farta tornam compreensível a regra “não pedir autógrafos”.

Santoro contou como o projeto “chegou às suas mãos”, como “ganhou peso para fazer o papel”, relatou a “experiência de trabalhar no fundo azul” e até de depilação falou: “Eu tentei, mas não consegui. Tenho o maior respeito pelas mulheres, depois disso. Só consegui com gilete”, relatou, sob generosas risadas.

Vindo de junkets em Berlim, Los Angeles, Nova York e Londres, o ator diz que o procedimento é sempre o mesmo. “Eu recebo um papel dizendo o que a assessoria de imprensa decidiu. Não tenho o menor controle das entrevistas. Descobri ontem, olhando uma lista, o que eu ia fazer hoje”, diz, voz tão gentil quanto distante.

A atriz britânica Lena Headey, que vive a mulher de Leônidas, confessou, despachada: “Ah, são sempre as mesmas perguntas... Como é fazer um papel feminino num filme masculino? Mas vocês trabalham em veículos diferentes, não?” Quem participa de uma round-table deve entrevistar todos os talents. No Copacabana Palace, deram entrevistas o diretor Snyder, Santoro, Lena e Gerard Butler (rei Leônidas), que conta as histórias que acha boas, mesmo que elas tenham pouco a ver com a pergunta feita.

Ao fim da minimaratona de entrevistas, sempre na presença de um tradutor, pouco utilizado, houve uma pausa para o almoço e uma pergunta, a princípio, misteriosa: “Você tem one-to-one?” One-to-one? Alguns segundos e a charada está desvendada. Tratava-se de uma entrevista individual. Não, não havia one-to-one.

Encerrada a conversa com os talents, fica a sensação de que, com tantas frases positivas sobre o filme, é difícil alguém não se convencer de que se trata de algo realmente fantástico. Isso, muito provavelmente, explica certa homogeneidade na cobertura. A mensagem ali abrigada parece ser: contra o sucesso ninguém pode.

“Se ninguém tivesse gostado do filme, eu não ligaria. Fiz o filme para mim mesmo. É um filme egoísta. Acho o filme hilário, é uma história em quadrinhos e não finge não ser. Não é para levá-lo a sério. Acho que é por isso que todo mundo está adorando”, diz, sem modéstia, Snyder.

“Tudo é marketing neste mundo”, assente o produtor Nunnari. “Sabemos o que a mídia representa e por isso temos viajado o mundo. A mídia tem sido fantástica em termos de apresentar o filme e divulgá-lo para o público. Mas, quando você tem um bom produto, fica mais fácil o marketing. Se as pessoas não gostassem do filme, não seria tão fácil divulgá-lo.”

O outro produtor, Mark Canton, que já presidiu a Warner, a Columbia e, hoje, tem a própria empresa, também não se furta ao auto-elogio. “Este filme nos lembra de que, se corrermos riscos e fizermos coisas como as pessoas nunca viram antes, temos chance de um grande sucesso.” Ele diz que, ao contrário dos épicos tradicionais, que costumam cair no gosto, sobretudo, do público masculino, 300 de Esparta é “para todos”. E enumera: “As mulheres vão gostar, porque há muitos homens bonitos na tela. Além disso, o papel é forte. Para os adolescentes, será o filme mais bonito que eles já viram, visualmente falando”.

Canton faz questão de pontuar que a Warner fez um incrível trabalho de marketing. “Aqui no Rio, você tem banners do filme na praia, a campanha é brilhante. Mas o que existe dentro dessa embalagem é muito bom. As pessoas amam o filme. Elas não querem saber o que a crítica diz. Elas, simplesmente, querem ver.”

Sobre a leitura política que a imprensa estrangeira tem feito da história, o produtor rebate: “Acho, sinceramente, que quem diz isso (que o filme defende a guerra contra os islâmicos) deveria se preocupar com coisas mais importantes do filme”, diz. “Ele é baseado numa incrível história de Frank Miller, que se passa 2 mil anos atrás. Não acho que temos de nos preocupar com essas ofensas. O filme é uma fantasia, como O Senhor dos Anéis”, diz, enquadrando o mundo pelas lentes da diversão. A polêmica, no fundo, não pode ser revertida em cifrões? Canton ri: “Você é jornalista. Você sabe disso. É claro que ajuda. Quanto mais barulho, mais interesse”. No caso dos blockbusters vale, sem dúvida, a máxima “falem mal, mas falem de mim”.




O próximo blockbuster da fila
Num encontro com donos de salas de cinema, o presidente de Distribuição da Sony divulga o Homem-Aranha 3

Exemplar do papel que desempenha a mídia no lançamento de um blockbuster, a ação da Warner para divulgar 300 de Esparta é apenas uma das peças da engrenagem que faz um filme se mover. Coincidentemente, na mesma semana em que a Warner mirava os jornalistas, outra grande empresa afagava os donos de salas de cinema. Na quarta-feira 21, vários donos de salas de exibição reuniram-se no Hotel Hyatt, em São Paulo, para conhecer a campanha de Homem-Aranha 3, que vai estrear, no mundo todo, em 4 de maio. Eles viram trechos dos lançamentos da Sony programados para o primeiro semestre, tomaram uma taça de vinho e, de quebra, foram apresentados a Mark Zucker, presidente de Distribuição da Sony Pictures International.

Rodrigo Saturnino Braga, gerente-geral da Columbia no Brasil, anfitrião do evento, pretende colocar o filme em mais de 500 salas do País. Certamente, conseguirá. Para os donos de cinemas, ter um blockbuster em cartaz é ver a caixa registradora girar veloz. Para aqueles que não estivessem certos do sucesso da seqüência, o filmete sobre o lançamento prometeu “fazer com que a expectativa em torno de Homem-Aranha 3 seja ainda maior do que nos filmes anteriores” e, por meio de propaganda e promoções,“alcançar um boca a boca jamais visto”.

Zucker diz que não veio a São Paulo pelo Homem-Aranha, mas sim porque, cada vez mais, países como o Brasil são fundamentais para o negócio de Hollywood. “Vim para fazer um contato pessoal, pensar estratégias”, disse. “O Brasil é um dos dez mais importantes mercados do mundo. E a Sony tem feito muito sucesso aqui. É nosso o campeão de bilheteria das últimas sete semanas no Brasil (O Motoqueiro Fantasma).”

CartaCapital: A importância comercial está por trás da presença de atores ou diretores brasileiros em Hollywood?
Mark Zucker: Os mercados internacionais têm crescido nos últimos dez anos e chegam a superar o mercado interno, nos Estados Unidos e Canadá. Por isso, temos tentado fazer filmes com apelo internacional. O Código da Vinci, por exemplo, tem um elenco internacional, é baseado num best seller, tem locações na França e na Inglaterra. Com tudo isso, a bilheteria internacional representou 71% do total. É um resultado fantástico que comprova que devemos fazer filmes com apelo em todos os lugares. Cada vez mais, faremos filme com atores estrangeiros, histórias de outros países e mesmo diretores de fora.

CC: E serão também co-produtores de filmes brasileiros, franceses...
MZ: Vivemos um período no qual Hollywood se vê obrigada a reconsiderar sua posição. A realidade é que cada país está fortalecendo a própria produção, fazendo filmes melhores e dominando o mercado interno com muitos desses filmes. A França conseguiu, no último ano, ocupar 50% do mercado com filmes nacionais, Turquia e Coréia também têm seis ou sete títulos nacionais na lista dos dez mais vistos.


CC: Aqui no Brasil, a Columbia (pertencente à Sony) virou, ironicamente, uma das maiores produtoras do cinema nacional.
MZ: Sim, a Sony tem tido muito sucesso no Brasil e também na China e na Índia. Estamos começando a produzir filmes na Rússia. No Brasil, tivemos Carandiru, Cazuza, 2 Filhos de Francisco...

CC: Em termos financeiros, esses filmes têm alguma importância para a Sony?
MZ: Não.

CC: A pré-estréia mundial do Homem-Aranha 3 não será em Los Angeles, mas em Tóquio. Tudo faz parte da mesma lógica?
MZ: Tóquio é um mercado enorme e o Homem-Aranha é um grande sucesso lá, sempre o número 1 ou 2 na bilheteria mundial. Acho que conseguiremos exibir o filme com grande estardalhaço, levando para lá gente de todos os lugares. Será um evento fantástico.

CC: Os estúdios disseram, há cerca de um ano, que queriam diminuir os custos de marketing. Mas eles só crescem, não? São praticamente metade do orçamento de um filme.
MZ: Só aumentam, por mais que a gente tente diminuí-los. A internet vem se tornando uma mídia cada vez mais importante, nós temos de criar sites incríveis e pagar propaganda. Isso, além dos jornais e tevês. A informação está fragmentada e temos de fragmentar o marketing também. Nos preocupamos com isso, mas não vejo como diminuir custos.



*A jornalista viajou a convite da Warner Bros


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