sábado, outubro 07, 2006






”The pears are not seen/
 As the observer wills”



1. Um avião, num dado momento (de relance, digamos), é uma grande massa de metal e gasolina com abas e gente dentro, parado no ar. Sob vigilância constante, o avião voa.

2. Só é possível recontar o traçado de uma mão que passa de um copo para o guardanapo ao contrario: do guardanapo para o copo só existe o acidente e a vigília.

3. A distancia entre um ônibus e um carro, suficiente para enxergar um rapaz do outro lado da rua, só existe no desejo do observador.

quinta-feira, outubro 05, 2006




Um daqueles momentos em preto e branco.


“...Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo.
( Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)... “
( Manuel Bandeira.Libertinagem)

Louis Armstrong foi o primeiro homem a nos levar á lua.
Disso, tinha plena consciência e não se fazia de rogado ao jamais recusar a um jazz de primeira instância esteja onde estivesse.
Talvez o jazz fosse a única coisa que o fizesse esquecer que o mundo acaba todos os dias para milhares de pessoas,milhares de vezes em milhares de formas nas mais diferentes ordens.

Não acreditava nem duvidava de Deus, já que este nunca lhe disse nada para acreditar ou para duvidar permancendo assim íntegro em sua neutralidade .

Respirava com dificuldade de quem nunca antes havia respirado,apesar de branco, tinha lábios espessos e tão pesados que pareciam tender sempre a deixar a boca aberta engolindo cabelo constantemente.
Estava namorando uma bela menina que se firmava em olhos tão belos,que seu nome não importava ; ele não morreria em seu nome...mas perdeu as contas de quantas vezes morrera em seus olhos,olhos tão verdadeiros e esfumaçantemente agressivos que até a parte branca já gelava-lhe a cerne, o peito e as verdades,todas...as que tinha e as que fingia ter só por ser humano.

Com os dedos vivos,encaminha um velho disco de vinil na vitrola e combina a agulha na maneira mais alquimisticamente exata e a vitrola responde cuspindo poesia pelas paredes.

-Eu gostei disto...o que é?

Nunca ouvira uma só palavra que aquela esmirrada beldade lhe dizia, achava não ter coordenação suficiente para falar e olhar aqueles olhos ao mesmo tempo.
Não respondeu-la, talvez nunca houvesse mesmo falado com ela desde que se conheceram,mas que mal isto faz já que a conversa nos relacionamentos de hoje é apenas superficial...de enfeite?!
Acende um cigarro.

- Não sabia que você fumava.
- Não fumo.
...ele não fuma...
- Não fuma?
-Não fumo, nunca fumei.
...e nem nunca fumou.
- Nunca fumou?
- Não,nem provei.

Leva o cigarro á boca e da uma longa tragada.

- Você fuma como quem já fumou.
-Como assim?
- Você fuma com estilo...glamour
...E fumava mesmo...
- Muita gente morre com estilo e glamour, e não quer dizer que eles já tenham morrido antes.

...A menina acha graça e seus olhos brilham junto ao brilho do solo do trompete amaciado pelo contrabaixo, era um daqueles momentos em preto e branco.
O brilho dos olhos , tinha uma verdade a parte,não era o brilho do sorriso que parecia desfocado e estrábico habitando a mesma face daqueles olhos,nem o brilho que emanava de sua doce voz, nem nenhum dos outros brilhos que não conseguiam antingi-lo...era puramente o brilho quase amalucado vigente nos olhos daquela dama.
Durante vários dias, os dois se encontravam naquele mesmo porão velho,ele olhava os olhos encantado e realmente sentido enquanto fumava um cigarro e delirava com os solos de Miles Davis, para ele, os olhos eram músicos, eram música...ah
Aqueles olhos que lhe derretia os sonhos e o fazia acordar em tantas noites afogado em sonhos derretidos.

Todos aqueles dias em que tinha a chance de fazer aquilo,fazia enquanto a menina falava e falava sobre o que bem entendesse,ele apenas a olhava e se sentia feliz por ser o único no mundo a saber o valor daquilo.

-E então...ele disse que eu era uma vadia e que me odiava, Anôdo ele disse que me odiava...me chamou de maldição e cuspiu no centro da minha testa!

Entretanto, naquele dia, quanto mais ela falava e soluçava, mais seus olhos se mostravam tristes ,incomodamente lacrimejantes e vermelhos, algo tão terrível que ele não conseguia aguentar assistir sem sentir calafrios.

-Pare de chorar!
-...e ...quanto mais eu ten-ta-va me ex-pli-car,mais o tom- de- voz dele aumentava...Anôdo...eu não reconheci o meu pai na noite de ontem...parecia outro homem.
-Vou te pedi novamente para que não chore menina.
-Foi terrível Anôdo.

A menina corre com agilidade até ele, que simplesmente sai do caminho fazendo com que ela tropeçe e caia de testa na vitrola e sangre muito... mesmo.

- Me ajude Anôdo.

O rapaz só não é imóvel naquele momento,pois come um fio de cabelo.

O sangue que não era preto ou branco parecia sentir que esta era a sua deixa perfeita e se punha para fora por toda a cabeça da menina.
Ela não parece tão esquálida gemendo e berrando de dor escruciante, os olhos bem abertos eram lindos e o faziam lembrar de copos-de-leite desabrochando ou de vítimas de estrangulamento,ou talvez um misto dos dois.

A vitrola em protesto por estar espatifada e dividida em 2,não quis tocar mais nada.
Fato que aos poucos só fez irritar o rapaz.

Os olhos no sofrimento,pareciam clamar por alguma coisa, devia ser socorro, mas para ele, pareciam pedir que alguém lhes jogasse limão ou ao menos lhe mordessem.


Cambaleante, a menina se encaminha até a porta com o corpo arqueado e piscando muito pois o sangue teimava em entrar em sua visão deixando constantemente tudo vermelho feito os orelhões londrinos.
Com extrema dificuldade,mão na maçaneta do porão, o Sol lancinante feito locomotiva endiabrada socou-lhe a visão e apenas o que ela pode ver foi um clarão esbranquiçado e embassado,a maior dor de cabeça possível e no fundo de tudo uma voz.

- Deixe-os!

A menina não entende e prefere assim enquanto põe seu corpo para fora.

- Deixe-os!!

Está tudo tão claro,que seus sentidos se confundem e o sangue que caia em seu olho a fazia ouvir tudo vermelho.

-

Sem que tenha dado tempo de falar qualquer coisa, o sujeito voa na porta e empurra o corpo da menina contra o chão, que pouco vê, apenas compõe um enorme barulho oco que deve lhe ter quebrado uma costela, não a queda mas só o barulho mesmo.

- Por favor Anôdo, eu não sei o que você quer de mim ,se não vai me ajudar me deixe procurar um médico!

Ela se encolhe num canto onde a luz não alcançou.

- Pode ir onde você bem desejar, se os deixar aqui!
-Deixar quem?
...com pigarro ainda na garganta ele diz.

-Seus olhos!

-Anôdo eu não estou entendendo...

O sujeito pegou uma caixa de joia que estava posicionada acima de um balcão.

-Ponha seus olhos aqui dentro.

- Anôdo, acho que ...

-Põe!!!

A menina desata a chorar.
O sujeito fala cuspindo.
-Não me esconde eles...não me esconde eles!!

Ele vai até ela como se voasse, poucos segundos depois de bater a porta e ficar lá de vigilância por 3 milésimos de segundo.

Arranca-lhe os olhos.

Enquanto a menina grita de dor, ou pavor, ele tenta dar um jeito em sua vitrola que agora jaz quebrada, procura o telefone de algum técnico no assunto e se lembra que o primo do Plínio, já é professor do CEFET e sem dúvida se não sabe mexer nisso, conhece alguém que saiba,põe os dois olhos no bolso da jaqueta e vai até a casa da Mãe do Plínio pra ver se ela tem o telefone do sobrinho por lá.


Vigilância.

Despertar a vertigem de cada palavra:
despejá-la do avesso deixando que entorne
qualquer dicionarismo; desadormecê-la.
Envergar a palavra até que ela se torne

um arco sobre o qual se erguerão outros arcos.
Logo em seguida, implodir o arco – vértice
do poema – e transformá-lo em barco – vórtice
do furacão a que se chamará de verso.

Vê-lo desgovernar-se, pondo à prova sua
real capacidade de existir no mundo.
Em caso de naufrágio, simples: despedir-se
e do começo recomeçar. Despertando.


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