A Sapiência
Outubro,de 1894
-Fazia frio no Rio de Janeiro, e um preto bem velho fumava um cachimbo e mascava tabaco tomando pose de sábio, o sábio que sabia que não era por tantos anos de sapiência.
Não tinha um cachorro, tinha uma lebre.
Tinha um pato e um marreco, um prédio bem alto e uma mulher, principalmente esta mulher, a tinha tão forte pelo fato de não a ter fora de suas lembranças, fora de sua cabeça, que era onde ele realmente tinha todas as coisas supracitadas.
Mas ali, naquele cais onde ele fingia-se de sábio encarado pela lua cheia magnânima e trêmula, parecia só ter seu chapéu de palha e alguns poucos restos de pano que envolviam seu corpo com arrogância de pensar que seriam capazes de enrolar qualquer corpo,mesmo que humanóide.
O vento, não precisa ser explicado para aqueles que já estiveram num cais no Rio de Janeiro as 2 da manhã semi-vestidos e com um chapéu de palha que cismava que podia voar.
Sentia o cheiro da morte, mas sempre o sentiu em todo o canto , talvez por sempre ter alguém morrendo em algum lugar do mundo.
Depois de ser convertido de simples sujeito, para sábio nunca mais amou alguém, detestou alguém ou soube qualquer coisa de cor, só fazia estender seu corpo largo nas tábuas de madeira que se uniam para estabelecer o cais.
O peito do velho vibrava de uma forma que só os peitos de sábios são capazes de vibrar...peitos calejados, peitos cheios de dor de uma alma desesperançosa e de tão grande , que quase que medíocre.
_É de sofrimentos que se faz um homem._
E de desilusões que se faz um sábio.
Durante sua vida, de sujeito comum ,nunca verteu uma só lágrima, o que preocupava toda a sua família, menos a sua avó , que por saber do destino da criança, logo tentou alcalmar os pais dizendo que era normal que pelas dores todas que implicaram na gravidez e no nascimento do moleque, e todo o sofrimento qual ele viria a enfrentar em seu futuro, ele não chorasse agora , na infância, pois ainda teria muito o que chorar nas épocas em que se realmente deve. _avós sabem de tudo_
Nunca chorou mesmo, e por isso ainda sem entender, queria chorar...em seus momentos de insapiência.
Quem passasse pelo cais, jamais seria capaz de entender.
Este cais do Rio de Janeiro não possuia, água.
Pois,sim...os cais no começo não tinham água eram apenas espaços largos e com muita terra, sem peixes ou quaisquer outras destas cousas...o que acontecia é que donos de frotas de barcos que já viajaram pelas regiões mais ermas do universo aprenderam, que os sabios é que colocavam as águas nos lagos rios,riachos e cachoeiras...minto, cachoeiras não...das cachoeiras cuidam os vendedores de cata-vento..um outro dia eu talvez fale deles...
Aquele sujeito cujo nome eu não estou autorizado a citar, foi o primeiro sábio carioca...e estava realizando pela primeira vez a função que diversos outros sábios realizaram anos antes dele...colocar água nos cais.
O primeiro grande desafio, era entender, assim pensava Tião, o primeiro sábio de Teresina,como poderia chamar de cais aquilo que não tinha nem água para navegação...haviam já as pontes de madeira como que mirando o nada com esperaça infantil que seria tola, não fossem os sábios que sabiam o que fazer...assim ele tentava ser, um sábio que sabia o que fazer...mas ainda não o era, era um aspirante a sábio...
Pôs-se a fumar e a fumaça de seu cachimbo parecia se confundir pelos seus cabelos brancos e olhos pesados, pele escura fazia inveja na noite, feição rígida que fazia inveja as pontes de madeira, só desejava transformar a mente em calma e perene para que pudesse fazer inveja ao rio que iria nascer...mas não tendo rio, ou ninguém para sentir ciúme, ficára na mesma e com a mente ainda agitada.
Não entrava na cabeça dele por alguns longos minutos que aquilo fosse mesmo um cais...não havia água!
Inaceitável, nada era pois já passara desta fase da vida dos sábios em que aceitam tudo como inaceitável...olhou de novo para o enorme espaço, se levantou e se sentiu sábio.
Catou seu chapéu de palha que para variar havia voado...olhou seu reflexo na fita vermelha do chapéu e pela primeira vez, não se viu um preto qualquer...viu um sábio qualquer...teve medo.
Olhou para frente de cabeça erguida mirando a lua como se quisesse devorá-la, põe o chapéu na cabeça, não percebe mas ele voa com a brisa do mar .
Mar?
-Mar.
Foi pegar seu chapéu de volta com seus dedos trêmulos, quando abaixou-se...não sei bem como,mas sentiu gosto de lua na goela preta, o gosto de lua é um pouco indescritível, aposto que todos já sentiram...mas naquele momento estava mais forte, a parte mais ácida estava mais exaltada...parecia até gosto de núvem.
O vento daquele rio estava cada vez mais frio, mais frio e mais real e mais 3 horas da manhã a medida em que ele se sentia mais sábio...se deu conta que se ele se acreditar : sábio...o chão se acreditaria rio...e ao notar isto abaixou os olhos com a paciência de um sábio e permitiu que a gota serena que daria o início a todo um cais deslisa-se pelos seus grossos lábios e encontra-se o chão...
Chorou e ao ver o mundo com os olhos de sábio, chorou muito mais, cada gota dava coragem as plantas marinhas para nascerem, entre elas a mais bela flor de todas, uma acássia amarela...rodiada de água, que quando ele olhava acreditando nos olhos de sábio...via sua avó rodiada de água e não precisando saber nadar _avós sabem de tudo_.
O velho sábio, refletido na água forjava a imagem real de como um sábio deve ser...um menino preto de 10 anos de idade, agora formando um enorme sorriso e indo correndo ao encontro de sua avó...os dois ainda chorando e o rio enchendo...quando os dois peitos se encontraram ouve um estrondo que arrepiou todas as pessoas , as águas já suficientemente completas,subiram aos céus...avó e avô esplodiram e viraram 2.546 peixes de 2.542 cores diferentes...depois a água caiu , banhou os peixes...e mais um cais se formou.
FIM.