O acontecido
1- Carta de Gueppardo a Déborah.
Querida Déborah, depois de consumado o fato, torna-se inegável que o acontecido, aconteceu.
Mesmo que acreditando tu Querida Déborah, que ele não tenha tido algum fundamento em lógica,creio eu cá com meus botões que se carecesse de lógica ele não teria havido, nem a mim, nem a ti, nem conosco já que somos pessoas sanas e portanto tementes a lógica e qualquer pensamento que prega que aquilo não tenha acontecido é inverossímio, digno de pena, repulsivo e anti-aderente!
Embora ache eu que os ventos que ventam cá não ventam lá, eu não estaria errado em afirmar que os dois são ventos acima de qualquer suspeita, ventando ou não.
Oh Minha Querida e Amada Déborah, se não tomasse tal fato tom tão catastrófico, poderia até ser cômico na realidade e se minhas tão rígidas e autoritárias lágrimas permitissem talvez eu esboçasse até uma pequena e tímida parte de minha dentição deformada por chupar chupeta até os onze anos.
Mas não o neguemos Déborah, pois ele realmte ocorreu, não foi sonho ou pesadelo, era concreto ou mais que isso.Nas noites em que me pego calejando meus pensamentos com lembranças lastimosas de dores desequilibradas me baseando na fatídica tarde, me vem a cabeça que ele pode não ter ocorrido , como você presume com certeza quase que jurídica, me deixando completamente incerto, uma incerteza quase que jurídica, eu poderia acrescentar com sucesso.
Quanto ao sigilo, adianto-te que podes recostar teu céfalo no travesseiro com calma oceânica durante muitas noites, pois não revelei nada á ninguém, além de nossas pessoas tão culpadas, ou satisfeitas ,ou aflitas, ou cansadas, ou enojadas, ou felizes, dependendo apenas do vento que ventar.
Além de nós, ninguém mais é sabedor, ignorando é claro aqueles dois anões de Marechal Hermes que eram os únicos com tecnologia suficientemente potente para girar aquelas manivelas e encostar os fios B, nos cabos de aderência A com tanta calma que os fazia capaz de comer todas as bananas ouro que durante a primeira fase do acontecido nós tivemos que depositar embaixo do castiçal ( que precisava ser de mármore com detalhes em carrara, que perrengue!).
Enquanto escrevo , me recordo das péquenas luvas de croché e o quanto elas incomodavam o Rotweiller preto e creme ( como exigiram que fosse) e o quanto a pequena Diná (mulher do anão mais negro) ria chegando ao cúmulo de deixar fluir barulhos suínos, que agora depois de que tudo se foi, confesso que eu até penso que deram um clima bastante apropriado ao momento.
Apesar da minha tristeza, que é fruto da minha falta de sapiência sobre a existência e significância ou não do acontecido, esta não é uma carta de suicídio( pelo menos não até a linha 40).
Talvez fosse mais uma carta-desabafo, eu precisava falar com alguém sobre o acontecido e toda a sua magnitude não só em minha, como nas nossas vidas, mas vendo que o que aconteceu ,foi entre eu e você, não seria realmente cabido eu me desabafar justo contigo que fez tal coisa junto comigo, e cá entre nós , foi o motivo real d’eu tê-lo feito.
Esta é uma carta de suicídio.( pelo menos até a linha 54).Por não saber bem como viver com esta dor dilaceradora em meu peito e roçando em minha alma, como pude eu ,ter cedido ás minhas naturezas vorazes e tomar aquilo como atitude? Ou você também, que no fundo de teus olhos brilhantes, parecia tomar gosto pela situação?
Cabeça mais organizada, decidi :
És também culpada!
Preciso matar-te também...
Esta é uma carta de homicídio!
Já não é mais...A vontade que tenho de te ter sorrindo como quando eu sorri depois de você ter saido ilesa da caixa com as espadas de ouro e marfim que foram requeridas com tanta necessidade, para que o acontecido obtivesse êxito é muito maior do que qualquer vontade de macular qualquer parte de teu corpo , como quando aquela hora em que fazia Sol durante a quinta parte do processo e a tal chaleira de louça virgem queimou-te a lateral do braço.( aliás precisamos devolver a chaleira a minha tinha avó que nem sabe o porque de nós termos pegado a emprestado, e que morra sem saber).
A realidade maior Déborah ( ou devo lhe chamar de girondina?) é que levando em consideração o frio que fazia em Petrópolis durante o acontecido ,sou hábil em constatar que além de puros comparsas, nós somos bem mais...acho que você me entende meu grande amor.
Beijos carinhosos e abraços á francesa de Lord Gueppardo do Sul de Amsterdã!
2- Carta de Déborah a Gueppardo. Bom Gueppardo, nada desejo mais de que tua boca...calada!
Penso que és louco em pensar em mencionar o acontecido perante cartas, não pensou nas consequências seu tolo? És o mameluco mais incauto que já pude ter contato!
Não sei se sabes, mas grande parte dos coroinhas da igreja são alfabetizados, pra não dizer melhor: Todos! Todos já dominam as letras perfeitamente e poderiam ler tua carta e nem quero pensar como ficaria toda a situação.
Exigi aos meus valetes que dessem sumisso com os tais anões, mas volta e meia, vejo um baixote circundando minha janela e instigando as minhas vistas.Preocupante!
Mas, trate de ler esta carta com o maior dos sigilos que fores capaz...
Pois mantenho minha opnião sobre o acontecido e vou te dizer com letras firmes:
Ele não aconteceu!
Não poderia ter acontecido por livre e espontânea vontade, a verdade é que eu não me senti confortável ao fazê-lo , pareceu-me demasiado bruto e incompetente ao amor que tenho por ti...
Nem por todos os potes de mel do mundo eu repito este feito...minha sobrinha pareceu ter gostado ao me olhar com olhos pidões e quase soluçantes...ela ainda sabe pouco da vida.
O que sempre me atrapalho em dizer com palavras, é que o acontecido foi forçado e inverossimio como você mesmo disse, não sei se um dia eu seria capaz de fazer valer com a realidade e vontade necessária, ou se quando eu resolver que é a hora de fazê-lo com realidade e vontade( que não está longe), a cachoeira continuará lá a brilhar ou se as algas marinhas vão topar voltar naquela parte mágica do sul de pertópolis que por Deus, como fazia frio.
E respondendo as suas perguntas, meu bom Lorde ( hehehe), sim eu sei que nós somos mais do que comparsas, somos talvez mais unidos que qualquer um daqueles trigêmeos que nos apontaram o caminho errado do canil do Rotweiller.
As vezes de noite, também sinto a dor do acontecido como se me perfurasse e me fizesse menor, embora não pareça nada em nossas vidas, as vezes queria com toda a gana do universo esquecê-lo e tratá-lo como apenas um sonho ruim que tive com você.Mas acho que,minhas roupas rasgadas e meu blazer completamente desbotado, nunca vão me deixar esquecer.
Gostaria de me despedir citando Paulo Leminski, mas ele nos proibiu depois de termos cantado a cantiga de maneira errada, em vez de “ Madame no seu caminho” , o certo é “ Deixa-me andar sózinho”, e é claro que gostando desta música como o bom Paulo pareceu gostar, ele brigou conosco.
Enfim, aconteça o acontecido que acontecer, esta é sempre será e acima de qualquer linha, uma carta de amor!
Beijos carinhosos e abraços á francesa, Déborah!
Fim