Reginaldo o sujeito que não era
“ Se não tivesse o amor, se não tivesse esta dor,
e se não tivesse o sofrer, e se não tivesse o chorar,
melhor era tudo se acabar”
( Vinícius de Moraes )
Enquanto o rapaz fazia a barba,se perguntava se ainda podia ser feliz novamente, como prometiam-lhe seus amigos como se pudessem garantir qualquer coisa deste tipo.
Vestiu a camisa,achou que ficou boa na medida do possível, e por mais que tenha vivido anos naquele corpo não se acostumava com suas particularidades ,o rapaz do espelho o examinava como se ele tivesse que passar por sua aprovação para poder sair, foi aprovado não com louvor, mas uma nota sufuciente para tirá-lo de casa.
Saiu de casa e como sempre achou ter esquecido alguma coisa, verificou seus bolsos e as mesmas coisas de sempre jaziam lá como se já soubessem o que iria acontecer, fechou a porta de casa e pensou que se tivesse esquecido alguma coisa o azar seria dessa coisa que perderia esse passeio.
Fechou a porta do apartamento,mas não trancou-a, sabendo que sua abertura é impossível se não pela chave que só ele tinha.
Lembrou -se de uma vez em que havia ficado preso fora de casa sem a chave e enrolado na toalha quando foi jogar o lixo fora no lixeiro no corredor, e teve que pedir ao porteiro para abrir a porta com chave de fenda e viu que não foi fácil,mas funcionou, então resolve voltar o caminho que já havia feito até o elevador e tranca a porta, nunca foi de confiar em porteiro.
Vai até o elevador e aperta o botão, na consulta ao relógio descobre que chegará 15 minutos atrasado,decide simplesmente não ir.
Volta pra casa , ainda dividido em tentar achar um lugar legal pra se divertir com ele mesmo,perguntando a sua cabeça com pouca gana por resposta,seu sofá parecia com um enorme trono.
Tira seus sapatos e vai reinar,com a liberdade de quem não tem mais nenhum compromisso liga o rádio,sua barba recém feita coça, adquiri o prazer de uma dança com sua vassoura que a condus como se ele estivesse voando,sobrevoando os sete mares dentro de seu quarto, sente o máximo de felicidade que um parceiro de dança pode lhe proporcionar e viaja nos delicados compassos, aumenta o som era "The Work Song" do Charles Mingus, aquele era seu momento de se deslumbrar com a luz da lua, se ele fumasse teria acendido um cigarro agora mesmo,olhou pra lua como se fosse a única coisa que pudesse ver e a primeira em anos, carros passam debaixo de sua janela, já não quer mais saber faz tempo, ao voltar o olhar pro quarto todos já estão na mesma onda ,suas cadeiras de praia rodavam,suas fitas de vídeo e discos de vinil rodopiavam pelo céu de seu quarto,seus lápis eram como dançarinos experientes,vários porta-retrato pulavam de um canto a outro do quarto,seu sapato pisava no ritmo da música, seus óculos pareciam sapatear,seus cds também rodopiavam, e seu telefone tocava,não era bonito o som , mas tocava, demorou um pouco pra entender que alguém estava mesmo ligando pra ele.
Correu pra atender,mas já era tarde, agora tinha mais um recado na secretária eletrônica da qual era nova e não sabia mexer muito bem,enjoou de olhar pra lua que naquela noite , estava traindo a Terra e dando mole para Mercúrio, quis apenas relaxar na cama,mas era cedo pra dormir,dormiu mesmo assim.
Abre um furo bem no meio da madrugada,quatro da manhã o rádio ainda ligado,agora" Gostava tanto de você" do Tim Maia dava o clima fim de festa para o quarto, jurava por Deus que seu sapato esquerdo tinha cara de quem bebeu em demasia, seus lápis caidos nos cantos também não passavam impressão muito diferente, ouve tiros, mas é Rio de Janeiro,preocupante seria não ouvir.
Vai ver a secretária eletrônica com a animação digna de quem acorda por essas horas.
-Reginaldo, me liga!
Até ligaria,se não fosse tão tarde ou ao menos soubesse quem era.
Ao ouvir seu nome vindo de uma outra pessoa estranha,tinha esquecido que se chamava dessa maneira,aliás havia esquecido de muitas coisas como o motivo real de estar tão triste recentemente,gostaria de ser uma dessas pessoas que comemora os momentos como se fossem os últimos de sua vida,em vez disso,Reginaldo inconscientemente preferia sofrer os momentos de sua vida como se fossem os momentos depois da comemoração onde é preciso varrer tudo.
Não dava,simplesmente não dava, e se dava conta disso a cada segundo, e de repente nada mais tinha graça.
Lembrou de toda a dança dos objetos na noite a pouco e não se espantou,bebeu um copo de qualquer coisa e foi dormir.
Não sonhou , e também não se encomodou com esse fato.
Ao levantar, foi comer alguma coisa, enquanto misturava o chocolate com o leite se olhava no espelho que jazia lá perto, já não era mais feio , estranho,ou desarrumado,não era nada.
Um nada com a barba recém feita pra ser mais específico, levou o copo até a boca e surpreendentemente não sentiu o gosto,era como se estiveese ingulindo uma rajada de vento, bebe o outro gole, um maior, o copo inteiro e se repete a não- senssação, no desespero que já estava tomando conta dele desde o momento em que resolve entornar o copo inteiro na boca, o rapaz acaba derrubando muito leite no chão.
Sai correndo da cozinha,escorrega e não sente aquele frio na barriga antes de cair,simplesmente se vê no chão estirado,sentindo dor,talvez não a do tombo.
Apoia as mãos no chão pra se levantar, não se sabe se o chão é frio ou quente, coisa que nunca havia lhe importado antes,agora era de estrema importânçia pois já não sabia mais dizer o que é que era.
Ao conseguir se levantar olhou pro espelho,fez caretas pra ver se se achava feio,mas não, nem feio ele era mais, ele não era nada.Começa então uma busca torturante na frente do espelho por si mesmo,não conseguia mais sentir quase que coisa alguma que não desespero e dor muita dor,de meio tonto caiu no chão, quis olhar pro relógio,mas no pulso ele não estava foi quando viu uma luzinha no rádio, que dizia :meio dia, o rádio continuava ligado mas Reginaldo nada ouvia.
Tomou banho e não sabe se era quente ou frio.
Vestiu a primeira roupa que estava na frente que aliás era a mesma que escolheu cuidadosamente ontem,fechou a porta a penas, não trancou pois não sentia medo só desespero, só sabia que tinha que sair de casa, correndo e ir para...pra frente seguir para frente , apertou o botão que ia pro térreo, e foi descendo,não estava impaciente,mas sentia que gostaria de arrancar a própria pele,e a vontade crescia na mesma escala que o elevador descia.
As portas se abriram e ...tudo era púrpura,não haviam cadeiras,nem quadros nem mesas nem nada,só paredes numa imensidão púrpura,seus olhos se esbugalharam e reginaldo caiu de joelhos na porta do elevador e o sentimento de dor,se combinou com o desespero ,mais a ambientação do local e finalmente resultou em um sentimento só, o vazio ,vácuo estremo,não se ouvia um pássaro cantar, era tudo vazio e oco, tudo poderia ecoar naquele local.Uma urna jazia na sua frente com os dizeres,"deixe-o aqui", Reginaldo em seu último ato de amor ou compaixão sem sentido resolve abraça-la num abraço cheio de tristeza ,o mundo para por estes 4 segundos! Suas pernas tremem, e de repente um grito tão silencioso que nem um cachorro ouviria,era de cortar o coração de tão rascante e escarlate,porém o mais dolorido de tudo e que nenhum olhar que não fosse o de Reginaldo podia ver é que na urna agora , o coração de Reginaldo,tentava voltar a sentir ,como um peixe se debatendo,solto e solitário.
O sujeito ao ver aquilo ,não se assustou ,não ficou triste, nem qualquer outra coisa,seus ohos eram apenas negros sem brilho algum,perdera o direito ou até mesmo motivo pra sorrir,não tinha medo de estar onde estava,pois já não tinha mais medo de nada, não era medroso,não era mais bobo, não era mais trapaceiro, não era mais solitário,apartir daquele dia Reginaldo apenas...não era
Reginaldo sempre achou melhor ser triste do que ser feliz,no fundo seu maior desejo era realmente não ser.
A vida tentou mostrar pra ele uns últimos prazeres,até quebrou o protocolo normal permitindo que o seu quarto dançasse com ele,mas nem isso foi o suficiente,parecia que esse sujeito realmente era pra não ser.
Pois se quando ele era,era triste, eu espero que hoje ele esteja por aí não sendo, mas feliz.