sábado, abril 22, 2006

sexta-feira, abril 21, 2006




O Bebedouro

“Sempre sonhava em estar a essa distância de
uma dama daquelas. Os dois
concentrados intensamente na mesma ação,ação de bocas,
com lábios cada vez mais molhados e brilhosos ,
saciando os seus desejos mais humanos.”



Uma sombra sem sede se deitava no bebedouro, e atrás dela, uma boca em forma de beijo, um nariz em forma de “L”
e dois olhos em forma de tédio.
Com abuso necessário, um dedo pressiona um botão do bebedouro prateado, por falhas técnicas este geme, e cumpre o seu papel de bebedouro na sociedade.
Justino bebia água, mesmo sem ser disso que tinha sede.
A água era fria e sem gosto...
Bebeu por tédio, bebeu por ócio, bebeu por nada, antes não tivesse bebido.
Nada mais em sua boca era seco, não podia estar seco, já que durante todos estes dias Justino andava chuvoso.
O bebedouro gemia e ele achava graça, não a achava já fazia um tempo...mas só ele.
Só o bebedouro mesmo para fazê-lo tão feliz novamente.
Felicidade essa que dura um quinto de nada.
Três,quinze ,dezessete milhões de gotas escorregam por cima de sua língua, e tudo é tão normal...
Até que,como surpresa dos céus um fio de cabelo encosta-se em seu cotovelo, e o olho de Justino se levanta para ver quem é o responsável por ele.
Era um fio cintilante dono de brilho raro, não tão raro depois que notado que havia outros vários com o mesmo brilho saindo de alguém que bebia água ao lado de Justino.
Uma belíssima dama havia se postado naquela posição semelhante a de Justino. ( com exceção da posição das mãos, a de Justino se encontrava um pouco mais abaixo da logomarca do bebedouro e a da moça exatamente encima com dedos tamborilantes)
Eram nove horas e trinta e sete minutos, e ela iniciava a bebedeira.
Ninguém sabe dizer ao certo, se a menina estava realmente com sede ou se apenas bebia por beber, tudo o que importava é que ela lá estava compartilhando desse momento com Justino.
Justino degusta gotas, como se não fossem de água e sim de mel (adorava mel),era um momento magnânimo ,glorioso, recompensa de todos os males que já havia passado na vida.
Sempre sonhara em estar a essa distância de uma dama daquelas.
Os dois concentrados na mesma ação, ação de bocas, com lábios molhados, saciando seus desejos mais humanos...
Na concepção de Justino esse momento já tinha o bastante para ser considerado ...um beijo.
Para ele , Justino estava... beijando a bela dama!
O melhor de todos os beijos já beijados por qualquer boca...
Dois bebedouros gemiam ,não por falhas técnicas, mas por prazer, e os lábios tremiam com o bater das águas.
Suplicou a Deus em silêncio, que aquele momento durasse mais, mais quinze anos , depois poderia morrer ainda com a tal sensação revirando em seu peito...uma festa interior, conheceu o amor hidratado e foi o dia mais feliz de sua vida.

Apaixonado, tentou seguir com seu destino normalmente, mas não é necessário mencionar o quanto parecia impossível. A lembrança da menina do bebedouro era mais viva do que ele mesmo, e o beijo, Ai!
O beijo.
Não conseguia mais beber água sem lembrar de sonho.
E por uns segundos em um dos seus devaneios, pensou em quão tenebrosa seria a vida, se fosse um camelo...
Não era difícil notar que estava encantado.
Em casa,sob a lua minguante, fazia juras de amor ao vento empunhando um copo d’água ,sonhando com o dia em que sua mais do que amada o acompanharia ,cedendo-lhe outros beijos mais molhados até mesmo que aquele de hoje...mas não ,não seria possível, o de hoje era algo impalavrável
Na cama quase que dormiu, e nos quinze minutos de seu quase que sonho, pode ver toda a Jequitinhonha inundada como que uma nova Atlântida do Amor.
E submergido ao lado de cavalos marinhos, enguias, peixes espada, e algumas coisas que não sabia bem o nome estavam ele e é claro sua rainha - A menina do Bebedouro!-

Seis da manhã!
Pulou da cama.
O sistema da manhã era óbvio e parecia ter repulsa ao que fosse novo, consistia em processos milenares como a manutenção dos dentes e a cobertura do corpo, etc.
Mas nesse dia, nada era merecedor de etc.
Tudo parecia vivo novo, fresco.
Escovou os dentes e lavou a boca, com água, sorriu...
Foi ao chuveiro e se banhou, com água, sorriu...
Estava gostando tanto de toda aquela situação, que chegou a chorar, água, sorriu...
Foi á escola, mas não se interessava muito em aprender coisa alguma, se sentia tão bem que podia ensinar.
Os professores professavam como se não fosse óbvio...
Agora era a hora,desceu e foi correndo ao bebedouro, mesmo não sendo de água que tinha sede,bebia e bebia até que olhou para o seu lado e lá estava Ela.
Provavelmente ela queria mais... Por Deus, como era irresistível e mais uma vez os dois aqueciam seus corações juntos com água bem gelada, e o mundo era testemunha.
Havia beijado a dama novamente!
E assim foi por mais três dias... e o sentimento poderia tê-lo matado se quisesse , e Justino continuava achando lindo tudo aquilo.
Na terça feira estava tudo planejado, queria levar aquilo mais a sério, já se beijavam sempre no mesmo horário, e era cada dia melhor, batera seu martelo...iria pedir ela em namoro! E isso ia ser hoje.
O que queria mesmo era casar com a menina do bebedouro.

Saltitante foi ao colégio, chegara um pouco após do horário regular, pois no caminho avistou uma árvore enorme, e então resolvera parar lá e escrever dentro de um coração: J & M.D. B( Justino e Menina Do Bebedouro).
Mais uma manhã onde, químicos quimicavam, biólogos biologavam, e matemáticos enchiam a paciência...
-Desce as escadas até o pátio, teria que atravessar um certo caminho até chegar ao banheiro feminino que tinha como guardas
dois bebedouros de prata.
Não descera no horário habitual já que tinha se atrasado com a árvore,se atrapalhou na cópia de algumas matérias , o que quase lhe arranca meio recreio.
O nome da menina era Estela,tinha 17 anos e adorava coca-cola com limão.
Já fazia certo tempo que andava doente, por isso todas as manhãs numa determinada hora tomava um remédio com água no bebedouro da escola,apesar de preferir toma-lo com coca-cola o que sua mãe ordenou que nunca fosse feito.
Justino pisou no pátio como um Rei pisa numa aldeia, um momento interessante de se ver , confesso.
Justino andava até o bebedouro, apesar de estar a três meses naquela escola, já se achava o mestre proprietário de tudo e de todos naquele momento.
Foi até o bebedouro e qual não foi a surpresa...
A menina do bebedouro já estava bebendo, linda como ela só...porém do lado havia também bebendo água o sujeito da cantina!
Não podia ser, que troca de funções dos diabos!
O sujeito da cantina só poderia ficar na cantina ...lá era seu lugar e pronto,quem lhe deu esse direito de beber água justo naquele bebedouro e justo com quem ao lado?! Também bebendo agu ...(não conseguia terminar esse pensamento,era tenebroso demais).
O universo estava ficando incompatível , era como se o homem da cafeteria estivesse vendendo sapatos e o da sapataria vendendo quindins!
Um calafrio veio do inferno e arrepiou toda a sua coluna, Justino estava furioso.
Por mais quente que fosse Jequitinhonha, não chegava as estribeiras inacreditáveis de calor que o peito de Justino se encontrava, seus olhos reviraram, a boca fez um barulho que nos cães normalmente precede a espuma,queixo trêmulo, dos seus olhos uma lágrima se jogou capotante pelas suas bochechas gordas que tremiam.
Tudo se congelou até que...o sujeito da cantina levanta seu peito, exclamando:
Ahhhhhh...! Num longo suspiro de satisfação como uma espécie de gozo louco e vai embora.
Justino nesse ponto não se contem.
Que espécie de homem de bem se conteria?
Respirou fundo como fazia nas aulas de natação na quarta série, andou a passos largos e deu um forte soco na cabeça de Estela.
A moça cai no chão( péssima decisão).
Justino investe chutes seriamente violentos contra o estômago de Estela e berra feito uma fera rouca:
-E eu que te amo tanto?
- E quanto a nós e tudo o que passamos?
Um rapaz segurou Justino, e ele deu um chute com o bico do pé no queixo de Estela, e essa se desacordou, mas antes disse:
“-Bem Justino,você se atrasou...eu fiquei com outro mesmo e aliás...o rapaz da cantina beija muito melhor do que você.”
Mas isso só o Justino ouviu, deu um berro sem tamanho e foi arrastado para algum lugar que eu não consegui enxergar bem.
FIM.

quinta-feira, abril 20, 2006





Ivana tinha alguma coisa esquisita que deitada na praia parecia um cadáver. O mar revolto, o sol ardendo, e Ivana ali, cadáver. Não que fosse mórbida. Ou branca demais. Ao contrário, era morena, cintilante,e saúde pura, malhava até. Mas na praia, deitada, era cadáver. Nunca disse isso a ela. Nem a ninguém. Fui amigo dela e em seguida namorado e em seguida marido e em seguida amigo de novo e entre um e outro fui algumas vezes inimigo de morte. E em momento algum deixei escapar para Ivana sua verdadeira condição de cadáver.
Qual não foi a minha surpresa ao ver que Ivana morta tinha alguma coisa esquisita: achei que estivesse deitada na praia.
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Ah, e antes que eu me esqueça: Jequitinhonha. Pronto, falei.

quarta-feira, abril 19, 2006



SOBRE UMA VIDA MENOS ORDINÁRIA

Ele abriu os olhos mas tudo continuou escuro, as juntas suavam e a posição embora fetal, era bastante incômoda. Seus sentidos não tinham o costume daquele casulo artificial. Barulho demais... Os braços doídos fizeram um primeiro esforço contra o tecido da camisa e do casaco mal ajustados no corpo, e um segundo para tatear o pouco espaço que sobrava. Quando percebeu pouca resistência na parte superior, usou as pernas semi-dormentes para ajudar... Ar... Muito Ar... Frio.... Muito Ar, Frio e Estrelas... Milhões e milhões de estrelas pontuando a cada segundo a continuação do preto anterior. O alívio foi tão grande que ele ainda ficou deitado ali deixando aquela invasão pulmonar acontecer por alguns minutos. Os barulhos começaram a se diferenciar à medida que o cheiro de mato intoxicava o corpo urbano. Cigarras, fazia tempo que ele não ouvia cigarras... Fluxo de água, um barulho igual e constante porém agradável... Cigarras, Fluxo de Água e Tiros. Contrariando qualquer lógica de segurança, levantou o tronco e se viu dentro de um porta-malas, silhuetas pretas de árvores onde o côro de cigarras provavelmente instalava-se, na outra extremidade a água se revelou num grande rio, forçou a vista e viu marcas enormes de pneus denotando um equívoco de direção vindo da estrada que seguia uns 100 metros acima. Mais tiros. Dessa vez a reação foi correta e ele se abaixou em proteção.
Os pensamentos tentaram se organizar mas não conseguiram, a lógica o fez tatear os bolsos mas não encontrou nada. Não lembrava o próprio nome... Gastou um tempo em lembranças falhas mas nem a posição fetal lhe trouxe pistas, levantou-se novamente e saiu se esgueirando pelo mato molhado de sereno, o medo e a falta dele andavam incompreensívelmente juntos, guiando-o para cima contra a marca dos pneus, muito esforço, dor e confusão mental. Chegou enlamaçado na estrada onde havia outro carro batido, o motorista protegido pelo cinto jazia pálido com a cabeça encostada no volante, o carona sem a mesma sorte tinha metade do corpo atravessado no vidro e esparramado de forma desorganizada no capot da frente. Confusão mental. Confusão Mental. Que nome? Confusão Mental.Cheiro de Mato. Mato e Sangue. Frio. Lama. Uma placa à frente. Uma ponte. Mais Esforço. Rio... Je...qui...ti...nho...nha. Rio Jequitinhonha. Jequitinhonha... Jequitinhonha? Árvores, Rio, Carro, Placa: Jequitinhonha. Jequitinhonha...Jequiti... Minas! Minas? Caralho! Tiros.
Quando teve coragem olhou pra outra margem e viu um clarão de pólvora na direção contrária da ponte, não conseguia ver mais nada pois as árvores tapavam o caminho, mas concluiu que seria o resto do caminho... De ida? De chegada? Caralho, Jequitinhonha! De onde estava conseguia ver o carro de onde havia saído, se cortasse caminho por baixo da ponte chegaria mais rápido do que voltando à pista e descendo novamente o barranco. Achou que seria melhor e foi, esgueirando-se para não chamar a atenção da pólvora que volta e meia se manifestava na outra margem. Nome... Nome... Nome... Pai, Mãe, Mulher, nome não.Ao alcançar o porta-malas, percebeu que a lama em sua roupa tinha cor escura e saía de dentro do estômago devagar, deixando a mão, que até então ele ousara pensar que buscava proximidade do corpo por conta do frio, com um certo grude... Confusão Mental. Frio. Grude. Nome? Tiros. Jogou seu corpo sem se preocupar dentro do porta-malas. Respirou fundo. Dor, grude, tiros, frio, barulho de água, cigarras... Jequitinhonha, caralho... Jequitinhonha.
Um último esforço fechou o porta-malas e na mesma vagareza que a minutos ele havia recuperado os sentidos, foi se esquecendo deles e voltando ao escuro, juntas esfriando, posição fetal não mais incômoda, silêncio.
No dia seguinte, os jornais contavam tudo sobre a noite. Talvez ele tivesse orgulho de ver seu nome na primeira página.

terça-feira, abril 18, 2006






#1



Sentado no banco de trás do carro ouvia as palavras cuspidas pelo taxista como quem
escuta gente egocentrada.


Pouco se fodendo.


E se puxasse da cintura uma adaga e obrigasse o motorista a tocar pra Idade Média? E se ele reagisse e você lhe fizesse um talho na barriga e jorrasse sangue. Se fizesse jorrar vinho tinto de mesa servido por anões barbudos que trabalham em uma taberna.
E se a taberna fosse fedorenta?


#2

Já é bastante que agora queiras ouvir minha fantástica história.

Lewis Carrol


#3

A Av. Atlântica completamente parada. Chovia e ventava há quase dois dias. As ondas chegavam a três metros e meio e a água invadia toda a pista sentido Leme. Os vidros do carro fechados e apesar do adesivo “Não Fume” colado no porta-luvas ele puxou um cigarro, mas não acendeu.

E se desse um cacete na cabeça do homem e ele caísse desacordado? Você acenderia o cigarro e fumaria com a janela aberta tomando chuva no ombro e sentindo cheiro de esgoto do posto 5, ajeitaria o cabelo e fumaria o cigarro como Brandon Walsh no fim de um episódio de Barrados no Baile. Acenderia o cigarro e fumaria de janela aberta sentindo no rosto o vento como se viajasse de lancha de Angra á Ilha Grande no inverno.


#4

Céu turvo
Mar revolto
Pista alagada

Um taxista
Um passageiro
Um cigarro apagado


Sentado no banco de trás do carro ouvia as palavras cuspidas pelo taxista como pessoas egocentradas ouvem as outras.



Pouco se fodendo.


#5

Jequitinhonha é longe pra caralho!

Meu pai

segunda-feira, abril 17, 2006



Almoço em família me dá mal-estar.

Hoje acordei e me deparei com um sujeito vinte anos mais velho que colocava minha calça - nele apertada. Seus gestos eram imperfeitos, retos, sua pele debilitada. Mecanicamente ele se vestiu e saiu. Ele era eu.

Antes numerosa, a cerimônia se reduziu a poucas pessoas.

Olho minha sobrinha, linda, e penso no quanto é difícil ser criança, o quanto é difícil ser saudável. Com sete anos ela já é uma mulherzinha, charmosa, que sabe que não pode conversar com estranhos, não pode falar alto, não pode correr e nem pegar o livro da estante. Com uma medalhinha de Santa Madalena com o menino Jesus ela é minha própria irmã: o mesmo jeito, as mesmas crenças transmitidas hereditariamente, que podem resultar na mesma dor.

Muitos são os sonhos que se constroem na juventude.

E, de repente, eu sou meu avô olhando os netos na sala apertada, ouvindo o último sucesso da novela Rebeldes, onde a criançada dança espivitada pela casa. Sou eu o gerador dessa energia, eu que tanto vivi e tanto construi, e que agora só posso esperar sentado na cadeira de rodas a hora de não mais acordar e voltar a dormir ao lado dos que já se foram. E se eu tivesse dito sim à aquele amor de verão de 1925, se eu tivesse dito não no primeiro casamento em 1930, se eu não tivesse ido ao Vale do Jequitinhona e conhecido Doralice, e se eu não tivesse lá voltado para buscá-la perdendo tudo... Tudo. Tudo poderia ter sido diferente. Uma escolha e já não seria mais aquela sala, aqueles filhos, aquela vida. Não. Tudo se constroe no presente! Deixe de pensamentos tolos.

Hoje, ao perceber as rugas nos olhares antes jovens, só consigo pensar a vida sob a perspectiva da morte.

Pedro construi prédios. Anna construiu família. Joaquim nada construiu.
Pedro mora na Barra. Anna mora na Tijuca, Joaquim mora em Copacabana.
Pedro se diz feliz. Anna se diz feliz. Joaquim se diz feliz.

Se quando sonho meu corpo entra em outro estágio de consciência e tem às mesmas reações físicas de quando estou acordado; sob a mesma perspectiva, podemos crer que a vida é um sonho?
Será possível crer a morte como esse outro estado de consciência onírico da onde não se acorda?

"A filosofia do homem o fascina mas não esclarece".
Ou como diria o Manoel: "Morreu, acabou. O resto é crendisse"

domingo, abril 16, 2006


Jequitinhonha


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