sábado, outubro 28, 2006






Ela fala o tempo

todo que está estudando os sesquipedálicos, mas eu não sei que animais são esses e ela me acusa de não prestar atenção no que ela diz. Mesmo assim, o que ela diz se perde entre as xícaras enquanto eu olho pela janela. A empregada está sentada no jardim, esfregando sabão para tirar a mancha de sangue do lençol. Venta um pouco e as roupas no varal panejam. O cabelo da empregada volta e meia entra na sua boca e a irrita. Ela se debruça para esfregar com mais força o lençol. Volto a olhar para dentro, onde ela continua a contar que um sesquipedal tem pés longos e é difícil de achar. Acho difícil de acreditar que ela sangre. Faço duas ou três perguntas genéricas que poderiam ter sido aplicadas a qualquer disciplina conhecida pelo homem e me sinto seguro bebendo café. A ventania lá fora aumenta e eu volto a observar a empregada, agora pendurando o lençol no varal com dificuldade. Seu uniforme levanta no vento e eu vejo até onde as suas pernas vão. Ela levanta da mesa e me pergunta alguma coisa. Respondo que sim, claro. Me levanto também e jogo o resto do café na pia. Tenho que levá-la na estação para pegar o trem das cinco. Pego a chaves e a carteira e caminho para o portão da garagem. Olhando para o lençol uma ultima vez, vejo que a empregada não conseguiu limpar a mancha completamente. Apesar de um certo sentido, a comparação com um mapa é irrelevante e ela certamente não concordaria. Mesmo menstruada ela não tem gosto de nada. Temos tempo, são quatro e vinte.

quinta-feira, outubro 26, 2006




As minhas 4 gotas de água salgada.

1-Carta a Seu Mundo.


Devolve o que é meu, mundo estranho!
Soltai o que não te pertences!
Sei eu que ao não me conheceres,não imagina o que minh’alma sente.
Pegaste o que é meu por engano.
És fantasma tocando em meu piano.
Devolve o que é meu mundo estranho, faz favor!
A ti, a serventia não é de tal grandeza.
Sei que te vanglorias exibindo a minha beleza...
Mas um dia, por favor devolve-me, não brinques de bobinho com meu peito.]

Sei que ignoro tudo a teu respeito.
Mas de antemão já te odeio.
Pra ti minha simpatia emudeceu.
Por serdes abusado, e pegares o que é meu!

Devolve,devolve, ai devolve pra mim!

Não imaginava que a falta doia tanto assim!

Assopre-o nos ventos, solte-o no mar.
Deixe no cume de uma montanha.
Vou a pé buscar...
Só não acoite o amor dos outros dentro do teu peito!
Seu Mundo,este amor não é seu.
Devolve a este preto, o Bem-querer que Deus lhe deu.

...Se não devolverdes,vou atrás de ti.
Uma sombra lamentosa pra sempre a te seguir.
E não é meu desejo, ouve seu mundo.
Mas levando a ela, tu leva a mim junto.




2-Lamento de um dia sem chuva.


Vi sentado o meu bem indo embora.
- Me acode, meu pai!
Montada num burro indo janela a fora.
- Me acode, meu pai!
Já devia ser noite,mas o Sol ficara.
-Me acode ,meu pai!
Era tanta tristeza que até Deus chorara.
- Me acode ,meu pai!
Vi sentado meu bem,indo bem longe d’eu.
-Ai, me acode ,meu pai!
Solidão violava meu peito no breu.
-Ai, me acode, meu pai!
Meu nome era mágoa, o do burro eu não sei.
- Ai acode ,meu pai!
Só sei que tu ria,nem viu que eu chorei.
-Me abençoa, meu pai!
Enquanto tu ria,meu peito gritava.
-Me acode ,meu pai!!
Enquanto ele ria ,eu me derramava.
-Me acode ,meu pai!
Um caboclo de longe me encorajava.
-Abençoa,meu pai!
Me dizendo :” Feliz era o homem que amava”.
-Não entendo, meu pai!



3-Pedido a neguinha.

Te vejo estupida neguinha.
Estonteante feito cheiro de mato docinho.
Minha doença ia quando tu vinha.
Se sou zureta meu querer,co-la me junto a você.

Neguinha,ouve meu poema...
Sei que não tens alma pequena,te conheço.
Te amo.
Foge deste destino,louco deste sem tino.
Me ama.

Me parafusa a você doce raro.
Me parafusa que se minha voz te encomodar.
Pra sempre me calo.
Me inala,me suga,me rouba da minha vida.

Meu peito quer-te em doses cavalares.
Meu amor é tão imenso que me faz ser expulso de lugares.
Certas pessoas se encomodam com alguém que ama nesse tanto benzinho.

Toma...toma este amor que é seu,pode ficar.
Segura-o como um filho lindo que é.
Não renega-o só por ser de cor escura.
Ama-o, ama o meu amor,meu amor...

Tu que tens o colo tão gostoso.
Acolhe-o como vem me acolhido.
Esconde-o sob teu vestido.
Para que outras pessoas não fiquem de olho.

Neguinha...não me digas que está com a mão ocupada.
Seja lá o que esteja segurando,solta!
E pega o amor que é mais teu do que tu mesmo é.
Toma ele, segura ele, é muito teu...
Ele é muito teu,mais do que isto que você está segurando...
Não deixe que ele caia no chão...

Ai ai neguinha não!!


4-Soneto descido pelo esgoto.

Cada vez que te toco;
Sinto-te menos mulher e mais fumaça
Por tanta tristeza minha visão se embassa
Mesmo que seu sorriso enorme não saia nunca de foco.

Passam os ônibus, passo a passo,passa o vento.
E eu não penso em coisa diferente da tua pele morena.
E do quanto fica enorme em meu peito tua estatura, oh pequena.
E meu futuro toda hora, morre lento.

Enquanto penso vais embora.
É eu sonhando e tu vivendo.
É tu luzindo e eu chovendo.

Sim eu sonho contigo.
Não!Tu vives com outro.
Assim...eu me desço... pelo esgoto.


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