sábado, maio 27, 2006







sem titulo.

para claritinha e slavoj zizek


Foi quando pôs o desodorante na boca que notou que algo estava errado. Tentou recapitular – não lembrava de nada do que fizera antes de colocar o desodorante na língua. O que conseguiu perceber é que não foi um gesto impensado, como se tivesse ido na direção da pasta de dente e, sem querer, trocado pelo desodorante. Não. Ele pegou o desodorante e passou na língua de propósito.

Sorriu para o espelho, tentado voltar ao fluxo diário de acontecimentos, mas o que de fato aconteceu foi perceber nesse sorriso algo totalmente além do seu controle. Virou de costas para o espelho – isso também, completamente programado. Sentiu-se estranhamente nervoso, um zumbido irritante começou no ouvido e logo tomou conta dos seus pensamentos. Deu um passo para frente e gelou. Estava imerso num infinito dejà vu, no qual não era ele quem observara a repetição, mas outra pessoa. Ele era o personagem no texto de alguém.

Impelido por alguma coisa, voltou ao quarto. Percebia que cada poro do seu corpo era guiado por uma voz. Outras coisas a sua volta pareciam imunes a isso: o abajur, por exemplo – pensando bem, aquele abajur não existia a dez segundos.

Sentou na cama ainda de cueca. Levantou e rodopiou como uma bailarina. Relaxava seu corpo cada vez mais e, cada vez mais, percebia ser capaz de identificar essa partitura mística que seguia. Colocou um dedo no nariz e foi até a janela, mantendo o dedo no nariz. Toda a sua existência parecia se resumir à ser um homem, de cueca, com o dedo no nariz, encostado na janela, perto de um abajur.

Olhando pela janela viu as janelas de tantos outros apartamentos. Tentou se concentrar: talvez conseguisse prestar atenção no que quer que seja que está guiando seus movimentos (não estariam seus pensamentos e questionamentos também sendo guiados por essas palavras?). Antes que pudesse tirar qualquer conclusão, sentiu um grito subindo-lhe a garganta, como uma bolha ou um anti-peido. Foi rir da palavra anti-peido e acabou deixando escapar o grito.

“Sarapateeeeeellllll!!!!!!!!”

A palavra ecoou pelo vão que separava sua janela das janelas do prédio da frente. Quis pensar que estava possuído por alguma força demoníaca que o obrigava a recitar versos em aramaico ou alguma língua desconhecida. Quem saberia o que sarapatel significa? Vai ver deus tomou posse de seu corpo naquela manhã para que espalhasse sua mensagem por todo globo. Sentiu outro grito vindo – dessa vez não lutou.

“SARAPATELLLLLLL!!!!!!!!!”

Gritou com todas as forças, ficando até na ponta dos pés – queria ter gritado gloria à deus, mas, sendo sarapatel a palavra que saiu, colocou ao menos a entonação que lhe agradava (não seria essa entonação tamb...ele já percebeu que a entonação não é dele.). Ficou tonto e voltou a sentar-se na cama.

Pensou que um dos motivos pelos quais não se sentia senhor de suas ações era que tudo parecia estar no pretérito. Tudo parecia ao invés de tudo parece. Jogou a cabeça contra o travesseiro. Tudo parecia escuro e silencioso.

Um barulho estrondoso o trouxe de volta. Não demorou a identificar que se tratava da campainha. Levantou e atravessou sem maiores dificuldades a distância entre o quarto e a porta da frente.

“O seu sarapatel.” Disse o homem vestido de uniforme azul, com quepe vermelho.

O protagonista continuou olhando para o entregador de sarapatel parado ali.

“O seu sarapatel, moço” falou, enquanto abria o embrulho e mostrava a tigela de plástico coberta com papel alumínio. Tirou o papel de cima da comida e, enquanto o alimento era inspecionado, o entregador reparou que o cara tava só de cueca.

O protagonista continuou a olhar com suspeita – achava difícil que a palavra pronunciada com tanto esmero na janela designasse tal gororoba (essa sim própria para aquela mistureba (essa sim própria para aquela coisa (essa sim própria pra qualquer coisa))). Disse finalmente:

“Isso ai é meu?”

O entregador parou de olhar para a cueca e disse:

“Mas é claro, o senhor que pediu. São quinze reais, por favor. Aqui o seu recibo...”

“Deve haver um engano, não pedi nada.”

“O senhor tá de sacanagem comigo, né...são quinze reais, por favor.”

O homem continuou parado, inspecionando agora a cara do entregador. Ele parecia confuso também.

“Senhor, aqui o seu recibo, ó...tá aqui...quinze reais.”

Nenhuma resposta.

“Senhor?”

O homem sentiu que seus olhos se encontrariam com os olhos do entregador (e se encontraram).

“Você não tá percebendo?”

O entregador de sarapatel fez cara de quem não entendeu. O homem sorriu e, olhando para cima, quase lendo um texto que passava na sua frente (ou em cima dele, ou nele, sabe se lá...) continuou:

“Você não está percebendo o que esta acontecendo? Não esta sentindo como tudo...”

Foi interrompido pelo entregador:

“O senhor me faca o favor, né. Não quero saber o que está acontecendo...você...você vem ate a porta me receber assim de cueca, me joga esse papo aí de ‘o que está acontecendo’...coé, camarada? Tá me estranhando? Tá querendo confusão? O teu sarapatel foi quinze reais. Agora me faça o favor de pagar que eu quero ir embora daqui...”

Virou-se e olhou para a sala. Nada era novo, mas nada era familiar o suficiente para que pudesse reconhecer onde que se esconderiam os 15 reais para pagar pelo sarapatel. Andou em linha reta até o meio do cômodo, deu umas voltas sobre o seu eixo, tentando ver se era obviamente guiado para algum lugar – nada. Tentou relaxar um pouco (apesar do olhar arregalado do entregador de sarapatel) e deixou-se levar, guiando-se pelo mapa que eram seus passos. Esbarrou na penteadeira: abriu a primeira gaveta, pegou uma caixinha que estava no canto, de dentro dela tirou um saquinho de veludo azul e dali de dentro tirou duas notas de dez.

“Aqui.” Falou satisfeito.

“Tó o teu troco e a tua comida.” O entregador andou rapidamente até o elevador. “Viado...” murmurou antes de sumir.

O homem sabia que era hora de fechar a porta e fechou.



ESTUDO PARA FINAL ALTERNATIVO

Sentado na mesa, despeja todo o conteúdo da tigela numa tigela maior e, quando vai jogar o papel alumínio fora, encontra, grudado, um bilhete em que estava escrito em letras pretas contra o fundo cinza:

“caro homem,

aqui é o escritor. foi mal aí por você ter que existir, andar de cueca na frente de um entregador, passar desodorante na língua e etc. é eu precisava que alguém dissesse sarapatel pra mim. foi mal mesmo. depois te reembolso os quinze contos. valeu.”

sexta-feira, maio 26, 2006




Assassinados por Billie Holiday

Orlando Caramelos era um trocador de ônibus,que se levantava antes do Sol,tomava o mesmo café com leite muito mal feito por suas mãos sem habilidade culinária,ia pegar seu uniforme tão sempre azul e simples,ligou o rádio e uma música estranha que dizia algo que não devia ser lá muito feliz,enquanto cortava o seu pão e passava a manteiga rançosa ,não dando a mínima para a sofreguidão empostada na voz da mulher,"deve ser uma negona", pensou ele pelo jeito que a mulher gritava,comeu o pão fazendo um craque que nada tinha a ver com o tom da música,seu braço doia,mas nada que não desse para aguentar durante todo o dia.
Billie Holiday,apresentou-lhe inutilmente Toni Lazarão que estaria com os ouvintes por mais 3 horas mandando ótimas canções com o oferecimento dos dedetizadores Niterói.
Olhou preocupado para o relógio e como se tivesse levado um choque pulou da cadeira e foi tomar seu rumo.
Aquela música não saia de sua cabeça era como se estivesse apaixonado por ela,no exato momento em que sua cabeça se esvaziava de pensamentos,lá estava a música dando as caras em sua cabeça,as súplicas da provável negona reinavam naquelas horas que se seguiram.
Entra no trabalho,cumprimenta o Filardes e segue caminho.
Entra no primeiro ônibus do dia desanimado e guiado por aquela melodia.
O ônibus parte e é aquela monotonia típica...Locadora,Padarias,Botecos, Lojas Americanas,Bar do Cunhado do Vicente e como complemento a mesma piada que o motorista sempre fazia ao passar pela casa de luz vermelha"Um dia ainda arrumo um emprego aqui".
Batia o pé no ritmo daquela música,não era mais incomodo era como uma parte de seu corpo,o ônibus andava como que forçando a todos a dançarem,até o barulho das freadas eram realmente compactuantes com o tom da música,o mundo naquele instante não era mais aquele de sempre e Orlando adormeçe com o timbre confortável da negona de sua cabeça e acorda com a voz de uma senhora sorridente que lhe deseja um bom dia,que mesmo que da boca pra fora parecia tão...tum dum tum da tum tum du dá!.
Tudo realmente estava cantando ,naquele dia dava troco pra cinco dez e até vinte rais,tudo tão amenamente.
O ritmo era de filme mudo, o que falavam pra ele nessas alturas realmente não importava,só os chu-chus que vinham e não iam mas.
Era meio dia e o Sol,não perdoava, porém tudo era incontestavelmente confortável, e seus incomodos já a muito tempo mortos, assassinados por Billie Holiday.
Foi almoçar e uma gorda senhora negra era quem estava vendendo os sarapatéis lá no Neco, disseram que é sua nova namorada, e também disseram muitas outras coisas sobre o fluminense e sobre sei lá ...Getúlio Vargas,mas Orlando não sabia de outra coisa senão do incrível "What's in the moonlight and you", nem terminou de comer o sarapatel e se decidiu por ir ver se achava esse disco em algum lugar,largou sua garrafa de mineirinho e se perguntou como ele ia falar o o nome do disco mas isso pouco importava tinha que consegui-lo.
O Sol era bravo e não poupava ninguém , e convocava gotas para sair do rosto de Orlando e elas iam felizes e escorregadias, várias delas pousaram nos seus olhos,tentou abrir mas não enxergava direito, quando finalmente conseguiu, tudo havia mudado, o mundo não tinha mais cores, era tudo preto e branco como nos filmes do Chaplin que ele uma vez comprou na banca perto de sua casa, agora estranhamente as pessoas passavam com uma elegância nunca antes reparada.
Orlando se assustou de tal maneira,que parou abriu bem os olhos chocado,as pessoas não seguiram seu exemplo , e de repente ele apenas ouve o silêncio, e do fundo de seu coração,suas batidas orgânicas começam a se converter em marcante e magnífico....jazz.Orlando sente que não há mais nada pra ser feito,se rende completamente a força do coração e como se fosse um espasmo,sua perna esquerda se move,depois os dedos da mão direita a cabeça que da a ignição para todo o corpo,que agora se empenha nessa dança graciosa,e a cada segundo mais dominante que foi o jazz vindo da sua cabeça com as batidas combinadas com as do seu coração, e assim tem sido nos últimos 8 anos que Orlando Caramelados fica na rua das Flores na Tijuca dançando coforme sua própria música, pouco se importando agora com os poucos passos que teria que dar para alcançar a loja de discos mais próxima,hoje em dia ele apenas dança, e com os poucos centavos que ganha se alimenta com Mineirinho e pastéis, que compra no boteco do Neco e dizem também que até hoje só ficou triste uma vez,quando o Neco terminou o Romançe com a simpática moça negra.

( texto do blog antigo...www.podebeijaranoiva.blogspot.com...)

quinta-feira, maio 25, 2006







SUBJETIVAS II

Ligue cada palavra à definição que mais lhe aprouver.

Manguaça Nome impróprio para uma criança.
Patota Etnia que nunca existiu, na África, no século V.
Alcatéia Palavra que não rima com alcatra.
Patuá Dança típica que eu inventei.
UERJ Palavra que começa com uma letra e termina com outra.
Fanfarra País que ainda não conquistou sua independência
Gangrena Apelido que eu não daria para minha mulher.
Sarapatel Palavra da semana de um blog de quinta categoria.

quarta-feira, maio 24, 2006



SOBRE O FIM DEPOIS DO FIM


EPÍLOGO


Cícero realmente não concordava com aquilo tudo, embora tivesse achado um desrespeito fenomenal a destruição de seu lar, não queria acreditar que seus irmãos poderiam ser vis o suficiente a ponto de queimar o tal invasor. Punição ele até concordava, mas agressão física era demais. Seria cúmplice forçado de uma atitude bárbara e sem cabimento, a execução de um inimigo. Emburrou-se e foi pro canto da sala onde cobriu o rosto e começou a chorar silenciosamente, agora a fraternidade tirava sua máscara diante do poder. Ele, nada podia fazer... A hierarquia funcionava ali e ele era o mais fraco.
Heitor, reconhecendo o minúsculo som do choro de seu irmão caçula, reprovou-o com uns cinco ou seis palavrões, seus olhos refletiam a caldeira em chamas e transpareciam sua alma incendiada pelo ódio. Suas brincadeiras habituais foram substituidas pelo sadismo de um atiçador de lareira com a ponta avermelhada de tão quente, que ele investia contra o corpo do invasor gritando de dor. Heitor ria, vibrava com a vingança por meio de passos dessarranjados que dava ao som rústico da flauta ininterrupta do irmão primogenito.
Ele sabia de tudo. Tinha a experiência, o saber e o controle do clã. Desde a idéia inicial da emancipação, sua mente maquiavélica já previa a destruição e por isso ele se fortaleceu, não necessitava de brincadeiras pois tinha sua flauta, que agora, ao calor do momento ele tocava com paixão. O movimento escolhido foi o do primeiro quadro, do quarto ato de “Fausto”, ópera de Gounod, muito apreciada por ele pela riqueza de harmonia. Não se levantou um segundo sequer de sua poltrona, de onde acompanhava toda a carnificina do irmão. A taça de vinho estava ao alcance, as almofadas bem assentadas e se tivesse fome poderia alcançar petiscos sem muito esforço. Já estava tudo armado, ele era Prático, de nome e de personalidade.
A imagem ficou turva pra Heitor quando sentiu suas costas se dilacerarem, o brilho da lâmina fez o Gounod e o choro silenciarem, dando lugar a esguichos de terror que Heitor soltava enquanto se debatia pela casa. Preso a cadeira pelo choque da imagem, foi a vez de Prático, que sentiu seu flanco invadido por um frio súbito e cortante, agora suas árias eram de morte, a inteligência vazava junto com o sangue. Cícero tentou fugir mas patinou no sangue de seu sangue e caiu de lado machucando-se. Chorou, não silenciosamente como antes, mas como quem sentia a morte prateada chegar e se preparava para o que seria seu último suspiro, e foi.
Mais tarde, os três dilacerados, trocaram em miúdos enquanto o fogo esquentava sua união. Ninguém era mais ninguém, fraqueza, ódio e arrogância fervendo na mesma panela.
E as pessoas que comeram o sarapatel foram felizes para sempre.


FIM

terça-feira, maio 23, 2006







Tudo se desmanchando em agua e foda-se a Estrada do Galeao, a primeira a diluir manchando a folha de papel branco que havia por debaixo com a gravura de Ronai, casaco e capuz de moleton que sob uma marquise esperava o Pavuna, sacola numa das maos, na cabeca o pancreas de um porco, voltava do aeroporto.

Passa o detergente na borda da ceramica branca e esfrega o suficiente para tirar os pentelhos que por ali ficam a cada mijada.Os pentelhos saem, o päncreas do porco nao. Numa dessas ao lado da privada no cantinho havia uma sacola Duty Free. Ele examina o pequeno conteudo, enfia a sacola por dentro do macacao e continua a higienizacao das privadas com os rins do roncador em mente.

O asfalto escoou pelo ralo, todo o resto se gaseificou, formou uma grande nuvem e se precipitou lavando do mapa a Ilha do Governador. Olhou para o horizonte e viu as chamines das fabricas de Bonsucesso e o figado de um suino, teria que andar ate a Avenida Brasil pra pegar o Meriti, moleza.

Ronai uma ilustração, um recorte e colagem, um homem com uma sacola e intestino de porco entrando no onibus pra Sao Joao. Um homem com uma sacola e figado de leitao saltando do onibus em Meriti e atravessando a linha ferroviaria, o limite com a Pavuna e com a festa dos orgaos ensopados.
Ja estava em casa quando Marta se sentava a mesa. Ela servia o sarapatel numa cuia de plastico, ele retirava da sacola a garrafa de Bordeaux sem safra e enchia de pimenta a comida fumegante. A esposa lavava os melhores copos.


*Nenhuma das palavras acima citadas foi digna de receber acentuacao.
*Nenhuma frase fez por onde para ter concordancia.
*Os tempos verbais tampouco.


Ronai

segunda-feira, maio 22, 2006




Vontade de nada...

Acordou com uma imensa vontade de nada fazer. Acordou, olhou para cima, inclinou a cabeça para olhar a ponta dos pés que logo cobriu. Bebeu um gole d`água da noite anterior.
Após alguns segundos levantou o tronco para apertar um Trevo. Após, um cigarro de maconha e depois retorna ao Trevo, à água. Se vivesse na época do ópio, seu corpo já estaria inutilizado para qualquer trabalho. Leu dois capítulos do livro de cabeceira, fez anotações. Levantou-se quando a vontade de xixi já era insuportável. Lembrou-se de puxar a descarga quando já estava na cama abrindo novamente o livro.
Pensou em fazer a barba.
Não fez.
Deitou de bruços. Respirou, deitou de frente. Alongou o braço esquerdo tentando esticar o ombro. Nenhuma ligação no celular. Era capaz de aguentar a fome por mais algumas horas. Alguns trocados na carteira, lembrou, teria ainda de passar no banco. Respirou fundo, leu. Hoje não há trabalho. Ligou a televisão:

Junte dois amigos em uma casa. Junte um cachorro.
Coloque em banho maria.
Adicione mais dois amigos e pimenta. Deixar em banho maria.
Quando já estiver sentindo o cheiro,
Pique mais amigos-visitas, mulheres, livros e computadores.
Deixe ferver.
Escolha um deles para ser o primeiro a ser servido, separe os outros três junto aos limões e
abandone o cachorro, embrulhando-o em um jornal deixando-o na geladeira...

Desligou a TV. Sempre que ligava, o primeiro programa deveria ser interessante, senão não valeria a pena procurar. Desligou a TV. Estava com fome, não veria Ana Maria Braga se escondendo debaixo da mesa comendo um sarapatel. Será que a Ana Maria trepa?

Será que o Silvio Santos trepa?
Quem come a Dercy Gonçalvez?

Dormiu.


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