sábado, abril 29, 2006





“A mais discreta das loucuras” em 5 minutos (muito estranho)


Me sinto torto... Um tanto cego… oblíquo. Pior que querer e não ver... pior ainda que ter e não ver... É ver e não ter.

Ela passa deixando um pequeno mar de água morna e pétalas de rosas (notem que os mares por natureza são enormes, entranho não é?). Meu rosto, involuntariamente, acompanha sua trajetória. Suspiro, mas disfarço para não ser flagrado, tentando reprimir algo que me grita aos ouvidos (se me gritasse aos pés seria estranho).

Eu, sentado no meu canto, corro por toda parte, como um radar, até vê-la. Ela passa. Eu, quieto no meu canto, grito seu nome, como quem grita muito, até vê-la. Ela passa. Eu, escondido no meu canto, pulo, gesticulo, como quem quer ser visto, até vê-la. Ela passa.

Sou quem não sou... quero, mas sei que não deveria querer, mas acho que deveria querer e digo que não quero. Olho para frente, vejo um precipício e corro como nunca ninguém correu antes(sentado no meu canto). Acho que ela não vai me querer, pois não é pra mim, mas acho que ela vai me querer, pois sou o que ela precisa e finjo que quero outras. Sigo uma tal de ética e ando na direção contrária(sentado no meu canto).

Sua voz me preenche como se eu tivesse algum vazio, como se eu não tivesse conteúdo nenhum, faz de mim pequeno recipiente esvaziado e absoluto de sua cheidez(palavra nova, anotem). Nem sabe, mas, com o tom suave de sua voz, penetra nas minhas veias e vai aos poucos me enchendo o coração... interditando-o. Estranho, sempre a achei maravilhosa, mas nunca imaginei... me pegou de surpresa... quando vi já estava com colesterol alto(opa, ta aí uma piada boa!!).

Conversamos e parece que é com as mãos.

Paixão... calor umedecido pela explosão interna... tristeza que pinica e felicidade que completa... toda paixão tem seu toque de dor... não fosse assim seria tesão... todo grande amor é uma paixão que se consuma... toda paixão é uma fagulha que arde mas consola, goza mas dói... jazz com andamento “walkin” e melodia “cool”... samba que é canção mas não perde o estouro dos bumbos...

“O amor é como uma fumaça que eleva do vapor dos suspiros; purgado é o fogo que cintila nos olhos dos amante; e contrariado é o oceano nutrido das lágrimas desses amantes...” William Shakespeare


Porra!! Eu, obliquo, devo estar apaixonado!


NÃO POSTOU POR LICENÇA POÉTICA

sexta-feira, abril 28, 2006



O Rei do Rio de Janeiro(um sujeito de costumes)


Nereu nunca fora de mijar na rua, e continuou não sendo durante aquela tarde tão peculiarmente diurética.
Voltava de seu emprego, e ia para casa num daqueles momentos em que você se lembra que tem bexiga e se torna realmente difícil de esquecer novamente.
Nereu era segurança do Bondinho do Pão-de-açucar, gostava de brincar dizendo que quem fazia a verdadeira segurança lá era o cabo de aço.
Chegando a casa, foi direto para o banheiro como se tivesse sido catapultado violentamente.
Levantou a tampa do banheiro, mas nem notou de tão rápido que o fez, seu zíper cantou e Nereu se fez valer.
Teria que voltar para o trabalho daqui a algumas horas, e apesar de adorar bossa nova, não quis ouvir Tom Jobim e desligou o rádio no meio do “fim do caminho” das águas de março.
Nereu era pura pluma, tinha lá os seus problemas, mas era pura pluma depois de uma boa mijada.
Ainda com o uniforme, comeu alguma coisa que não tinha muito gosto, e na T.V ,assistiu algum filme que não tinha muitas mortes.
De volta ao trabalho.
O Nunes estava no lugar dele enquanto fora jantar em casa.
Nereu balança a cabeça pra frente ao encontrar o Nunes dizendo: “Nuuuunes !”
Nunes murmura de volta algum cumprimento que nem ele entendeu muito provavelmente.
Porta do bondinho se abre , gringos e mais gringos; japoneses com cara de chineses, e paulistas com cara de japoneses que tinham cara de chineses... isso sem mencionar os coreanos, muitos coreanos.
Todos estagnados com a beleza da cidade.

Nereu era o único dos seguranças que ainda se deslumbrava com a visão apesar de não demonstrar através de seu duro rosto negro que inspirava excesso de disciplina extrema (pelos menos aos que não conheciam o Nerê da sinuca, ou o Nenê Batata das verdes mesas de pôker , que entrava em serviço normalmente nos dias de folga)
Morro da Urca , apesar de belo ,era apenas um prelúdio do Belo, o encanto dos encantos para Nereu : o Pão-de-açucar .
Ao chegar aos elevados níveis da magistral montanha, sua mente sempre liberava uma espécie de tranqüilizante para todo o resto da alma, e lá estava ele...no alto.

____” O pato, vinha cantando alegremente Quén Quén, quando o marreco sorridente pediu para entrar também no samba,no samba, no samba , o ganso (pampamram) olhou pra dupla e disse assim Quén Qén Quén ,olhou pro cisne e disse assim vem vem, que o quarteto ficará bem, muito bom muito bem”____

Estava perto das nuvens de todas as formas que conhecia, fora o zumbido no seu ouvido e os insistentes cliques de máquinas fotográficas, ouvia João Gilberto, não o via , mas o ouvia o que talvez até fosse melhor ,já que uma vez quando o músico foi ao Morro da Urca, nem se quer cantarolou uma melodia para o desespero de Nereu.
Não era só uma pedra gigantesca, era um pedaço amputado de Deus que caiu e se petrificou para se adequar a realidade dura dos Seres da Terra , assim pensava Nereu de seu lugar preferido no mundo.
O bondinho descia e a fagulha intensa da despedida mordia o seu corpo.
O percurso só o desagradava quando lembrava que iria demorar alguns minutos para chegar ao Pão-de-açucar novamente.
E nos céus pretos cariocas atabalhoados de estrelas fulgurantes e expressivas feito rugas, Nereu fazia a segurança, e para todos os passageiros nada mais do que isso, talvez para o resto do mundo...até menos que isso.
Sim, talvez fazer a segurança do bondinho fosse seu único motivo pra viver, se a vida fosse um filme, na cena em que finalmente os heróis chegassem ao Brasil, depois de finalmente chegar ao Rio de Janeiro, depois de finalmente passar sambando no meio de mulatas requebrantes, quem sabe não houvesse uma fuga com um remix de um samba alucinado, passando pelo bondinho e lá no canto, bem no canto estaria Nereu tolerante com olhos caídos...o segurança do bondinho, e nada mais...
Nereu não era mesmo muita coisa, você já deve ter passado por ele, eu já passei por ele também, mas e daí... quem se lembra?
Já havia certo tempo que Nereu andava preocupado com o pouco de vida que levava, e buscava uma mudança, chegando até a ir numa Igreja Evangélica, mas saiu muito mais rápido que o tempo que levou para decidir se ia.

Tudo de Nereu era tão de sempre ,(era um sujeito de costumes) nunca trocara o estofamento do sofá ,seus móveis não poderiam ser mudados de lugar , pois os lugares já faziam parte dos móveis e vice-versa, suas conversas eram sempre sobre o mesmo assunto, tudo sempre a mesma coisa.
Desde que nascera era aquela mesma casa.
Seus brinquedos aposentados , ainda enfiados na mesma caixa desde uma noite chuvosa de outubro de 1975.
E assim era Nereu, menos oblíquo possível , o mais óbvio, que escrevia certo nas linhas certas, seguindo o destino que alguém inventou.
Nereu estava mergulhado na vida , não comandava sua própria história...era um personagem nas mãos de um qualquer, e nunca se deu conta disso.
Até que o sino bateu e fizeram a última viagem da noite, podia retornar a casa e enquanto tirava o uniforme, todos esses pensamentos nesta mesma ordem baleavam a cabeça de Nereu, mais precisamente no momento em que ele se viu com vontade de mijar ...novamente, como que seguindo uma regra estúpida e sem necessidade.
Nereu correu até seu carro, tropeçou e caiu de boca no chão, lembrou-se que fazia tempo que não caia, se levantou, entrou no carro e deu a partida.
O certo o cercava.

... teria que ir para casa.(pois era o certo)
...teria que trocar sua roupa.(pois era o certo)
...teria que tomar um copo de água.(pois era o certo)
... teria que dormir(pois era o máximo da interferência do certo em sua vida)

Berrou!
Mesmo que não usando a garganta(o que não era lá muito certo) , Nereu berrou dentro de seu Fiat uno azul.
Por que viver tinha de ser tão a mesma coisa?
Por que viver era o acúmulo de quereres muito mais do que de poderes?
Nereu queria não querer ,Nereu queria apenas entender...enfim Nereu queria mijar.

Parou o carro na beira da pista , arreou suas calças e mijou ...como nunca dantes.
A lua brilhou ,apaixonada por Nereu , já São Jorge virava para o lado oposto , nunca gostou de ver nego mijando na rua.
Tudo apagado e Nereu chutando a madrugada em seu carro, ele correu e correu até que teve a mais sublime das idéias.
Deu meia volta com seu carro, e voltou para o trabalho.
Sem que ninguém soubesse, sorrateiro abriu umas portas e subiu umas escadas muito ofegante e esperançoso, degrau por degrau a expectativa crescia apesar de fazer aquilo todos os dias, aquele era mesmo especial.
Ligou o bondinho, sim ele ligou o bondinho, solitário no alto do Rio ,o vento era gélido e típico das madrugadas,Nereu gostou,estava mais perto da Lua e com o peito cheio de algum sentimento semelhante ao sentimento de bexiga cheia que sentia a pouco...lá estava ele ,trocando bexiga por coração e sendo estonteantemente feliz, decidiu que gostava mais da bexiga do que do coração (não que ele não pensasse assim antes, só nunca havia refletido sobre o assunto)
Foi sendo elevado,agora sem uniformes ou turistas , já havia se decidido ,estava subindo no bondinho por um motivo que sempre sonhara...
Sentia o ouvido entupido, mas até isso parecia combustível para aquele enorme sorriso que quase rasga a face do rapaz , quando nota que se passaram dois minutos desde o Morro da urca e... estava chegando!

Nereu por alguns segundos, pode se lembrar o que era ser criança novamente.
O sentimento de se elevar nunca havia sido tão bem sugerido, eu diria até no mundo inteiro.

Chegada!
(Pausa. Enorme pausa no mundo inteiro, não acredito que qualquer ser no universo tenha sido capaz de fazer qualquer coisa naquele momento, imãs puxavam as pálpebras de Nereu para cima, e estas se abriam, e este era o único movimento que se ousou fazer no mundo inteiro naqueles segundos.Pausa)

Alguns músculos da face de Nereu começam lentamente a quebrar a solenidade e destroem tudo ao forçarem o sujeito a jogar a cabeça pra frente, se arrepiando com olhos ardendo como arenosos, e convertendo a face de Nereu, em uma feição que ele só fazia quando chupava limão ou...chorava!
A porta se abriu e seu coração se encolheu. (gemeu)
Não sabia o que fazer...

Saltou do bondinho, correu no Pão-de-açucar e lá adormeceu.
No dia seguinte se deslumbrava mais a cada segundo, com todas as flores ,nuvens e sons encantadores de pássaros.
Logo arrumou um lugar escondido pra morar e passou a habitar o local...e alguns poucos dias lá se proclamou Rei, Rei do Rio de Janeiro, estava bem, estava feliz... Governando suas vontades, comendo frutas e sendo tão livre quanto os pássaros de lá.
Uma manhã, ele percebeu que o mesmo pássaro sempre cantava no mesmo lugar, as flores sempre ficavam no mesmo lugar, assim como as estrelas, e de repente se viu num regime de sempre acordar e admirar todo o mundo lá de cima como Rei que era.
Seu peito doeu ,pois notou ,que voltava a ser personagem no destino... Um dia voltou para a civilização e viveu a sua vida como Nereu, um sujeito de costumes normalmente.
Três semanas depois se viu na mesma posição de sempre, e depois de muito pensar ,ele acabou descobrindo que o seu destino era mesmo de sempre ir contra o destino, não importa o que Nereu fizesse para combater o destino... já havia sido pré-destinado.
Sina!
FIM

quinta-feira, abril 27, 2006



Caminhos oblíquos

Se por acaso naquela tarde de Quinta-feira, após ter sentido uma súbita e inexplicável vontade de fumar, Otávio tivesse comprado um maço de Marlboro ao invés de Derby, Telma, que sentou ao seu lado no ônibus e só fumava Marlboro, teria lhe pedido um trago, que ele cederia de bom grado, emendando um papo sobre cigarros que daria lugar a um papo sobre Janis Joplin que daria lugar a um papo de “Vamos ouvir um CD lá em casa” que certamente terminaria em sexo. Depois do sexo, Telma revelaria a Otávio que ela morava em Mauá e era divorciada, deixando-o apaixonado e com uma súbita vontade de ir morar com ela. Largaria então seu emprego como professor de informática e embarcaria em um ônibus da 1001 para descobrir somente em Mauá que Telma tinha 3 filhos pequenos que ela esperava que ele adotasse: Lua, Sol e Terra, este último, na época, um bebê. A princípio ressabiado mas depois encantado com as crianças, que no segundo dia já lhe chamariam de papai, Otávio se mudaria para lá onde ficaria cuidando das crianças a semana inteira enquanto Telma venderia suas miçangas no Rio de Janeiro. Telma passaria então a visita-los apenas esporadicamente e a se dedicar integralmente às miçangas e à bebida, sua outra paixão. Assim, Telma logo começaria a ficar agressiva com as crianças e com Otávio que tentaria a todo custo defende-las. Até o dia em que Telma, totalmente embriagada, chegasse em casa armada com uma faca e ameaçasse as crianças na frente de Otávio, que entraria no primeiro ônibus rumo ao Rio com seus filhos adotivos. Chegando aqui, a escola de informática não o aceitaria mais e, precisando de dinheiro para pagar a operação de Terra, o menor deles, que sofria do coração, se envolveria com o tráfico de drogas e logo ganharia um lugar proeminente no esquema internacional por falar inglês e dominar o Excel. Ganhando rios de dinheiro, ele pagaria um boa educação para as crianças, que revelariam ser muito inteligentes e disciplinadas, a não ser por Terra, o menor deles, que aos 13 anos já revelaria ter herdado da mãe o alcoolismo. Mas Otávio, em sua rotina de traficante internacional, mal se importaria com o gênio complicado do caçula até o dia em que Terra, então com 17 anos, provocaria Otávio até este dizer, no calor da discussão, que Telma, sua mãe, era uma prostituta hippie que os tinha abandonado na infância. Terra puxaria então um canivete do bolso e partiria para cima de Otávio, que sacaria sua 38 e acertaria-o no peito. A bala se alojaria na espinha dorsal de Terra, que ficaria paraplégico. Lua, a primogênita, traumatizada, resolveria então tentar a vida em Miami com seu namorado. Sol, sempre estudioso, iria estudar filosofia em Paris com bolsa integral, deixando Terra só com Otávio e sua cadeira de rodas. E assim Otávio, arrependido, se desligaria do tráfico, entraria para a Igreja da Nova Vida e alugaria um apartamento em Copacabana onde passaria o resto dos seus dias cuidando de Terra. Saberia ter sofrido muito, mas em momento algum se arrependeria de coisa alguma e teria a impressão de ter vivido uma vida completa.

Mas naquela tarde Otávio comprou um maço de Derby, teve uma vida tediosa e foi condenado a viver com saudades de tudo aquilo que não aconteceu.

quarta-feira, abril 26, 2006



Desculpem a demora... Velox é foda.

SOBRE TUDO QUE É OBLIQUO

o.blí.quo adj (lat obliquu)
1 Inclinado sobre uma superfície; que fez sobre uma superfície um ângulo de mais ou de menos de 90 graus; que não é perpendicular. 2 Que vai de lado, de soslaio; de través. 3 Geom Diz-se do sólido cujo eixo não é perpendicular à base. 4 Dissimulado. 5 Sinuoso, tortuoso. 6 Bot Que se afasta quer do plano do horizonte, quer do eixo da planta. 7 Náut Designativo da marcha do navio que segue rumo intermediário aos pontos cardeais. 8 Gram Qualificativo de caso que não seja o nominativo nem o vocativo, aplicado por extensão a pronome em caso oblíquo. 9 Diz-se do passo ou marcha em diagonal. 10 Anat Designativo de vários músculos do corpo do homem e dos animais.

1 Um domingo terrível. O Calor estrondava a cidade e incomodava até os que dele foram desfrutar. Peles Brancas se escondiam atrás de monitores, livros, televisões ou até cobertores na companhia do ar condicionado. E ele lá. Parado no meio da praça. De boca aberta faltando dente, esparramado em ripas de madeira que já não tem a cor verde desde que ele havia assumido o banco como sua casa... Duas sacolas de loja nas quais ele nunca pisou na vida, um sapato num pé, um chinelo no outro e contrariando qualquer regra de sobrevivência humana ele vestia roupas grossas, pretas e dormia numa paz imunda. Apenas o quadril e a cabeça encostadas no banco. O mundo derretendo e ele lá... Dormindo. 2 Ela tinha certeza de que estava sendo enganada e daquele dia o filho da puta não passaria. Cortava os carros com uma habilidade que nunca teve no trânsito, precisava chegar a tempo. Uma amiga o tinha visto num restaurante com uma branquela desmilinguidaaaahhhhh que raiva, de hoje esse filho da puta não passa! Montou apartamento, vendeu coisas antigas para adequarem-se ao novo espaço dedicando-se ao encontro de dois mundos em paixão. Ela estava feliz com ele! Um ônibus não a deixava passar e ela esmurrou o volante, fazendo com que o que gritasse dentro do automóvel fosse traduzido aos transeuntes em forma de buzina. Viu uma abertura na pista de contramão e foi... Ultrapassou o ônibus num arranco. 7 anos... 7 anos de relação e agora isso... Uma branquela desmilinguida! De hoje esse filho da puta não passa! O celular tocou: “Jéssica”. Era ele... O único homem que a entendeu durante muito tempo, a única pessoa que a fez esquecer os momentos em que o filho da puta a deixou irritada. O velho truque de botar um nome de outro gênero no celular pra despistar Filhos da puta que traem você com brancas desmilinguidas... Buscou o entendimento em forma de tecnologia com uma das mãos, mas o nervosismo de não deixar o filho da puta passar de hoje, fez com que o telefone escorregasse. O sinal estava verde antes que ela abaixasse mais pra alcançar o homem que se escondia por trás do codinome “Jéssica”. Diria a ele que estava indo pegar o Filho da Puta e a branquela desmilinguida e que depois estariam livres pra viver felizes, mas o sinal ficou vermelho e enquanto Jéssica chamava, ela não viu o caminhão cruzando a pista. Pronto. Daquele dia aquela Filha da Puta não passou. 3 A senhora passou metade de sua vida quase secular em função dos vasos de planta que colocava na janela, uma dia uma outra senhora descuidada não soube ajeitar um de seus vasos corretamente e ele foi ao espaço para acertar como um meteoro, a cabeça de um transeunte que morreu na hora. Uma lei proibiu vasos em parapeitos e a janela da senhora nunca mais foi a mesma, e por incrível que pareça ninguém suspeita quem seja o maníaco que faz vasos cairem como meteoros na cabeça de transeuntes em vários locais da cidade. 4 Ele diariamente acordava as 7:00, beijava a mulher loira que ainda dormia, botava seu terno, tomava café da manhã, levava as crianças pro colégio, entrava no edifício garagem, olhava para os dois lados, tinha certeza, trocava de roupa no carro, saia sem ser visto, pegava um ônibus, chegava na casa pobre, fazia carinho no cachorro, tirava a roupa que havia acabado de trocar, beijava a mulher morena que ainda dormia e voltava a dormir. 5 Escuro. Lama. Derrapa. Farol. Estreito. Planta. Desce. Rio. Pedra. Carro Submerso. Sobe. Sobe. Sobe. Tração. Sobe mais. Bate. Ré. Ajeita a Roda. Curva. Sobe mais. Neblina. Desvia. Quase! Acelera. Lama. Barulho. Acelera. Freia. Chega. E do topo do mundo, seus pensamentos finalmente podem durar mais do que uma palavra. 6 Após meses de investigação a senhora que arremessava flores contra os transeuntes foi presa em flagrante no alto de um prédio no centro. 7 47 anos de mar e o “velho lobo”, como chamavam aquele senhor, estava cansado. Nenhuma paixão, nenhuma família, nenhuma alegria diferente do pôr-do-sol pleno nos mares, por onde guiou centenas de embarcações. Estava cansado. Respirava gente endinheirada gastando os tubos por férias, negócios, casamentos, shows do Rei... Só ele era sozinho. Enquanto chorava baixinho sobre a pele murcha o velho lobo mudou a rota pra “sabe-se lá onde”, e é exatamente lá que os 2300 passageiros irão passar suas últimas horas. Finalmente se sentiu conectado a alguém. 8 O Português acordou bem cedo e enquanto ainda estava se espreguiçado eu o acertei na testa, em cheio, bem no centro. O sonho de qualquer um... Agora nóis fala do jeito que quiser. 9 Num descuido dos guardas e dos sentinelas da Torre, o Bispo viu um corredor livre e apressou o passo, entrou na câmara real e como se a mão divina o levitasse acertou um chute na base da Rainha que morreu na hora. 10 Assim que termina de ver dois babacas se esmurrando no canal de esporte, coloca misturas que ele mesmo toma na ração que os dentes de Thor dilaceram inclusive com pedaços do pote, ele revê o último chute na cara, comemorando com brilho nos olhos. Coleira nos pulsos cheio de veia e lá vão os dois... Um par semi-atrofiado passeando na madrugada carioca. É lindo ver como eles se entendem. Casam em Julho.

terça-feira, abril 25, 2006

Por motivos de forças maiores do que a força maior, o colunista REMO não postará esta terça (25), tendo ele já postado no domingo (23 - Ver Arquivos), em seu lugar, um colunista convidado: Gabriel Tupinambá. Semana que vem tudo volta ao normal... Boa Leitura!

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ESTRATÉGIA OBLIQUA DE CONTA A TUA HISTÓRIA.


se as palavras. livro aberto na página 52 (pulou umas dez no meio de um capitulo em que vicente tomava banho e comia miojo) e a mochila recheada de inutilidades, tudo isso sentado num banco de praça em algum lugar na praia de botafogo. gabriel tinha almoçado até que cedo, mas a fome ameaçava novamente, como uma melodia irritante (“tenho foooomeee...”) ou a necessidade de preencher um vazio. o sentimento de que alguém espiava por cima do ombro o mantinha na mesma posição, um misto patético (como todas as estatuas que se mexem) de drummond em copacabana e uma roupa que não fica pendurada na maçaneta. a sensação de não pertencer à maçaneta – algo sentido mais como um desconforto na alma, um não-querer querer ler, um cansaço qualquer – afasta gabriel do preto e branco do livro. os olhos continuam fixados na página por dever cívico talvez, mas o texto atravessa os dois como uma paisagem distante, da qual não se pode distinguir muito bem se aquilo é um poste ou uma árvore. de qualquer forma, os olhos traem o leitor e o homem da mesma forma e ameaçam seguir o modo como o rabo daquela garota encaixa perfeitamente no vestido que ela escolheu usar hoje. vestido florido. azul e branco. olhou de novo pra pagina bicolor do livro e viu a fome, a distância entre as letras e aquela curva inefável que a bunda da garota faz no vestido (quantas flores, quantas repetições entediadas do mesmo padrão de tecido para desvelar o teu segredo, mulher?). se ajeita no banco. pisca os olhos. se as palavras.

zélia decidiu-se finalmente pelo táxi, afinal, está muito quente hoje e o sorvete ia derreter todo no ônibus. além do mais, zélia está cansada de ter sua camiseta grudada no assento por causa do calor. está cansada de olhar para corrimão de ônibus e lembrar que nenhum homem encosta nas suas coxas desde que seu finado marido passou a se chamar finado marido ao invés de andré ou amorzinho. ela estica a mão e sente quantos anos ficam para trás, quantos quadros do dali seriam necessários para segurar toda essa pele flácida de volta no lugar. o sono, o calor. nenhum táxi pára e zélia se assusta com o tráfego na nossa senhora. enrola o plástico da sacola no pulso e arrisca outra investida contra o rio de automóveis. dessa vez sente a fisgada e um táxi encosta. se ajeita e coloca o porto de galinhas de volta no centro da camiseta. o taxista não abre a porta e isso irrita zélia, afinal, está muito quente e o sorvete está derretendo. ao colocar a mão na maçaneta, a porta magicamente se abre e uma guria de uns vinte e poucos anos sai com cuidado do táxi, se despedindo do motorista (júlio, recém divorciado, uma menina de três anos, completamente deliciado com os olhos cor-de-mineiro-que-vê-pela-primeira-vez-o-mar, da jovem que não lhe deu nenhuma gorjeta). zélia olha com desprezo para a garota. é muito fácil caber num vestidinho como aquele quando não se trabalha desde os dezesseis anos. entrou no táxi reclamando do calor, falou pro motorista como está cansada de fazer compras enquanto seu marido fica em casa sem fazer nada, o safado. mesmo sem resposta do motorista que observa a menina sumir atrás de uma esquina (júlio podia ao menos tê-la lembrado de que seu marido estava tão morto quanto as suas coxas), zélia continua falando por toda a viagem, até que o sorvete esteja na geladeira e o vestido azul e branco da guria pare de contrastar como o céu e o inferno com a sua pele bronzeada.

encontrou no fundo do copo outra frase de efeito. custou a tirá-la de lá, quase usou os dedos. todas as celas são do mesmo tamanho. boa, diz carlos e levanta sua latinha meio cheia. sua resposta é não só um silêncio oblíquo, uma maneira de evitar o óbvio (tipo: valeu, custei a tirar do fundo do copo essa, quase usei os dedos...), mas um mergulho rápido nas possíveis razões pelas quais ele bebe cerveja no copo e carlos direto da lata. copo é um intermediário que eu dispenso, ouvira uma vez. isso sim é frase de efeito. se imaginou com os amigos no bar. ué, mário, e o copo? cara, copo é um intermediário que eu dispenso. sorriu para os amigos imaginários e por um segundo se viu sorrindo para carlos, parado na sua frente. um ruído distante anunciava outro gol do américa sobre o fraco time do flamengo. virou a cabeça em busca de uma televisão e, antes de voltar-se para a bancada de novo, ouviu o suave farfalhar do vestido e dos cabelos louros. entre o tempo de ouvir o oi e olhar mais uma vez nos olhos dela, mário pode estudar cuidadosamente em sua mente a topologia utópica do seu corpo, a maneira com que deixa o braço e a mão de carlos descansar firmemente em seu quadril. apostando consigo mesmo que, ao olhar em seus olhos e dizer um oi de volta, vai ser transportado umas cinco ou seis quadras e jogado no mar de copacabana. disse oi, encarando as janelas de frente (rodando o copo vazio de cerveja entre os dedos), e foi jogado no mar de copacabana. de volta ao bar, carlos soltou uma gargalhada e pôs-se a falar sobre segundos cadernos. mário continua brincando com o copo, evitando olhar para a invisível alça do vestido, mas os dedos molhados de cerveja deixam o copo escorregar e cair no chão. o casal olha brevemente para o amigo e volta a conversar sobre classificados. mário aposta consigo mesmo que em alguma parte do florido azulado do vestido dela existe o desenho exato dos estilhaços no chão.

sentado na calçada, viu o casal se beijando e um outro cara olhando pra baixo. pensou em flores e em como faz calor no rio.

segunda-feira, abril 24, 2006



A UNIVERSIDADE E O ATOR-PERFORMER

(artigo em processo - projeto atorial III - artigo final à ser publicado na revista Unirio plural número 02 e em tufosesujeiras.blogspot.com)

Por Raoni Seixas

Há uma crise no ensino universitário de teatro: a instituição pública de ensino superior de arte talha seu estudante. A liberdade para pesquisa estética e intelectual limita-se às salas de aula: a escassez do espaço físico e a má distribuição de recursos não permitem a adequação de novas produções à grade curricular. Apesar do esforço de alunos do Diretório Acadêmico Oduvaldo Vianna Filho para participar do processo da reforma curricular na Unirio, no ano passado, organizando seminários e grupos de discussão, pouco se avançou nesse tema: o modelo utilizado predominantemente é similar ao do estudo da engenharia ou da medicina, onde toda a liberdade está nas mãos do professor - ele mesmo submetido a um sistema - e nenhuma ao alcance do estudante, tutelado do inicio ao fim. Esse sistema está completamente defasado,
(ver se não ficará redundante com o desenrolar das idéias abaixo)

Se algum artista ligado ao ensino universitário protagoniza papel de destaque no modo de pensar e fazer arte, este provém menos da instituição do que do próprio artista. Não é evidente o ganho à instituição de ensino superior e nem que a transformação do estudante promissor em artista atuante ocorra em virtude da universidade. Para que um professor seja mestre necessita publicar dissertações de mestrado e teses de doutorado sem que este resultado seja transformado em ação. Há uma preferência no pensar em detrimento do fazer.
(mudar esse paragráfo: a sensação é de que o "pensar" e a prática andam paralelo, mas sem o encontro)

Nesse último século a arte veio questionando o seu próprio sentido. A própria hierarquização e verticalização do ensino e da produção não faz mais sentido. O sujeito da ação é o próprio autor e este, a própria obra de arte. O termo ator torna-se assim insuficiente para agregar mais este pensamento.

O performer não realiza uma simples ação, mas acima de tudo ação performática é um acontecimento, uma façanha. Utilizando-se de sua estética, o performer age em seu próprio nome e como tal dirige a seu público suas idéias e reflexões.
(Desenvolver mais a idéia)

A Companhianômala de Teatro surge na Universidade Federal do Rio de Janeiro como uma anomalia: o grupo formado inicialmente pela Anna Beatriz, aluna do curso de teoria, que se vinculou à pesquisa do professor Walder, docente deste departamento; foge a regra da instituição pública e da grade curricular. A pretensão da companhia é que não haja uma direção e sim uma orientação: na medida o trabalho do grupo é criar uma unidade de pesquisa estética onde todos devem se colocar em cena, não existe mais o personagem, mas sim o performer dono do seu trabalho, que se utiliza do jogo teatral para debater com a platéia.

Nesse caso, o conceito ilusionista de imitação do real, que se utiliza da cópia para contar uma história não interessa. O jogo com o acaso, o aqui e agora onde a cena se faz no instante em que acontece, é matéria fundamental à encenação. O ator não se identifica com o personagem a fim de imitá-lo, mas se utiliza dele para questionar o próprio conceito ilusionista.

O resgate do ritual da encenação teatral é ponto fundamental de pesquisa da companhianômala. Porém a diferença entre os oficiantes – atores/performers – e o público é tênue: a platéia é convidada a também se colocar em cena estabelecendo uma reflexão critica e intelectual na leitura e “deciframento dos signos, a uma reconstituição da fábula e uma comparação de uma realidade representada e de seu próprio universo”¹, na medida em que as imagens criadas procuram estabelecer menos a compreensão lógica do acontecimento do que atingir o inconsciente do espectador.

Segundo Freud, “as imagens constituem (...) um meio muito imperfeito de tornar o pensamento consciente, e pode-se dizer que o pensamento visual se aproxima mais dos processos inconscientes que o pensamento verbal e é mais antigo que este, tanto do ponto de vista filogênico quanto ontogênico”.²
(Desenvolver)

Diz o critico Antônio Candido que "a superação do atraso intelectual criado pelo hábito de copiar redutoramente os clássicos seria alcançada somente quando fôssemos capazes de gerar obras de primeira ordem a partir de exemplos nacionais anteriores"³. Por isso a escolha da companhia em trabalhar textos que a crítica especializada considera a dramaturgia brasileira clássica, já que os mesmos não podem ser considerados cópias dos modelos europeus, pois falham justamente nesse sentido, criando assim um principio de uma temática nacional no âmbito literário e político.
(Desenvolver)

A antropologia do trabalho surge aí não como cópia dos cânones europeus ou imitação do teatro brasileiro clássico, mas como consciência histórica como ponto de partida para a criação da encenação do grupo.
(Desenvolver)

A partir do trabalho da concepção e da percepção da formação da literatura e do teatro brasileiro como entendimento da política, da cultura e da sociedade deste país, o performer estabelece um senso critico de sua função social e da abordagem artística que quer dar ao seu trabalho. Tendo acumulado esse estudo, não pode se tornar isento da encenação: a obra de arte, dentre outros fatores também reflete sua existência e sua personalidade.
(Desenvolver)

BIBLIOGRAFIA
¹ , ² - Dicionário de Teatro do Patrice Pavis.
³ - Literatura e Subdesenvolvimento, Antonio Cândido
- O entre lugar do discurso latino-americano, Silviano Santiago
- Reportagem "A universidade brasileira em xeque", textos de Almir de Freitas e Michel Laub, revista BRAVO!, sem referência da data de publicação.
- Projeto de encenação do espetáculo "Macário, às vezes a vida volta...", Anna Beatriz Gaglianone

domingo, abril 23, 2006



Post Extraordinário por Motivos Pessoais
(não leiam)

Vicente salta do taxi e escorre pela calçada até a portaria do prédio onde se materializa pra somente enfiar a chave na fechadura e chamar o elevador, depois se derrama de novo lavando o chão por onde passa até o quarto andar.
Vicente é água com sabão.
Lava a entrada dos fundos do apartamento, toda a sala e o corredor que leva ao quarto. No quarto se materializa para fechar a porta e se sentir só, mas logo escorre por debaixo dela formando uma poça até a porta do banheiro.



Varanda

Sentia a euforia de três mil estrelas gasosas se dentro de uma lata de refrigerante e sacudidas com intensidade.
Uma lata fechada.



Escuro

De onde se vê melhor os astros.




Cozinha

#1
Uma xícara de porcelana.
E foi perfume de jabuticaba derramar pelas goelas e vielas de São Paulo até uma praça maranhense onde expunham egocêntricos empalhados para estudos de ordem maior do que minha ignorância permite compreender.


#2
Abstrato
Absurdo
Ilógico
(?)




Depois

Mais admiração e contemplação pontuado por um momento de nudez explícita ao se reconhecer na pessoa que lhe cedia o cigarro.


No que você acredita?

(pausa)


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