
Desde o início dos ensaios, o autor se sentava naquela mesma cadeira. Na última fileira, com os pés pro alto, ele observava tudo. Os atores a princípio ficaram felizes de o ter por perto, assistindo aos ensaios, um luxo, disse o ator principal. Outros logo de cara olharam com desconfiança para aquela figura opressora, me lembra os tempos da censura, disse a velha atriz da companhia. O diretor, que a princípio era quem o havia convidado a assistir os ensaios, com o tempo se arrependeu amargamente do convite, intimidado pelo olhar superior que o autor lhe lançava como quem diz vamos ver se você é bom mesmo.
Sua postura não era, de fato, simpática. Esparramado na cadeira, ele não esboçava um sorriso sequer ao longo dos ensaios. Ao contrário, perscrutava tudo com um olhar bovino e uma sonora mudez. Com a sola dos sapatos descansando sobre o dorso da cadeira da frente, ele desafiava a todos, imóvel, impassível. Não demorou para que alguns atores passassem a odiar sua presença. Suavam frio cada vez que entravam em cena, só de imaginar que pousava sobre eles o olhar daquele que havia escrito o texto que diziam. Que-cli-ma, que-cli-ma! gritou a velha atriz, que adorava escandir as sílabas. Outros atores o consideravam apenas um tímido, um pouco como todo autor, disse o ator principal. Eles não são como nós, atores, eles não curtem um refletor, diagnosticou um outro ator. O fato é que pouco a pouco todos os atores da companhia passaram a fazer a peça unicamente para aquele homem rabugento que mal saía do escuro ou dizia qualquer coisa.
Perto da estréia, o clima não podia estar pior. Inseguros, começaram a brigar entre si: o diretor havia cortado relações com o ator principal, que não falava mais com a velha atriz, que apenas chorava copiosamente, reclamando de tudo: a fumaça, a textura do figurino, o cream cracker do lanche (molenga!). Tudo culpa do autor, que do alto de sua cadeira, desafiava a todos com sua muda imobilidade. Era ele quem humilhava a todos com seu olhar fisgado de reprovação.
Na véspera da estréia, sem saber mais o que fazer: o diretor pediu a ele que se retirasse. E ele permaneceu imóvel. Por favor, pediu o diretor. E nada. Vamos acender a luz na platéia? disse ele ao iluminador. E clec, acendeu-se a geral. E todos viram o óbvio. O autor estava morto, sempre esteve. Enterraram-no na coxia, sem alarde. E a estréia foi um sucesso.
(Moral da história: autor bom é autor morto.)
7 Comentários:
MARAVILHA!!!!HAHAHAHAHAHAHAH
BEIJOS
AHAHAHAHAHAHAHAH
Adorei a moral da história!
Saudades de vc!
Bjo
hahaha! Ótimo! ;*
Muitas pérolas em um único texto!!!
Bom demais,demais,demais
Cris
Genial !!!
Adoro seus textos ! Todos !!!
Não tem essa, de um não é tão bom quanto aquele tal.
Todos geniais!!
mt genio.
Ritmo ótimo, final melhor ainda. Adorei!!!
Postar um comentário
<< Home