
Sem título
Para Gabinski
Primeiro dia de viagem
A despedida foi linda. Contive o choro até alcançar o mar aberto. Foi só quando o vento apertou e comecei a sentir os respingos das ondas no meu rosto que pude chorar escondido. Chorar por não ter de quem esconder. A direção do vento é constante. Eu rumo sul.
Segundo dia de viagem
Perdi o Rio de Janeiro no meio da noite. Agora só vejo mar. Passei o dia olhando para trás e vendo a espuma dividir simetricamente o mar em dois. A bússola aponta para mim, enquanto nos movemos para o sul. As velas ainda não pediram grandes trimagens – seguram-se gigantes, investindo contra o céu que escurece devagar.
Terceiro dia de viagem
Entre dois turnos, sonhei que coelhos infestavam o convés. Uma onda veio e levou todos embora. Acordei com o panejar das velas. Sem vento algum, aproveitei para mergulhar na água. A sensação de ser um barco como o meu barco, também à deriva, é reconfortante. Percebi que não trouxe toalhas.
Quarto dia de viagem
Subi no mastro para ver que desenhos estou traçando no mar. Me assustava a idéia de outro dia a vagar fora do curso. Quando o sol estava a pino, corri algumas vezes pelo convés e fiz polichinelos. À tarde o vento voltou a sussurrar e, antes do anoitecer, uivava novamente.
Quinto dia de viagem
A genoa rasgou no punho. O debater do pano na tempestade me fez pensar em deus. Em meio às pancadas surdas do barco afundando nas ondas, comecei a ouvir o grito de uma criança. Era a estrutura do barco que gemia. Desci a genoa e vou somente com a principal, rizada.
Sexto dia de viagem
A chuva diminuiu, mas o vento continua o mesmo. O barco fez 12 nós só na principal durante todo o dia e não havia muito mais o que se fazer. Adormeci no leme e sonhei que um último coelhinho saia de dentro do barco, corria para a popa e pulava na água. Acordei assustado com algo, mas nada continuava acontecendo.
Sétimo dia de viagem
Descansei o dia todo, só levantando para caçar um pouco as velas. O céu começou a abrir e senti minha pele queimar novamente. Olho para o horizonte e a palavra saudade começa a se formar entre as nuvens. Às vezes, sinto que alguma coisa mais forte guia o caminho, algo além de mim.
Oitavo dia de viagem
O gosto do ar mudou. Senti o aroma frio de outras terras, mas me proibi de pensar em âncoras e pingüins de geladeira. O sol brinca com as nuvens, criando sombras no mar e eu tento decifrá-las, dividindo as formas entre âncoras e pingüins. Tentei lembrar de alguns versos do Pessoa, mas sem sucesso.
Nono dia de viagem
Notei cinco novas tonalidades de verde no mar.
Décimo dia de viagem
Acho que percorri 130 milhas na noite passada. Hoje, o sol subiu por trás de uma massa disforme de terra e, sob a proa da embarcação, vi nascer uma cidade. O calor secou as lágrimas no meu rosto. O leme está leve, solto. Já começo a reconhecer o Pão de Açúcar, configuração final de nuvens.
2 Comentários:
esse texto tambem eh uma homenagem a selecao brasileira, que nadou e morreu na praia.
Ga,
Mto bom hein! So faltou a pornografia hahaha
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