sexta-feira, junho 02, 2006



Os Bem-Te-Vis
E as rosas, eram todas amarelas”
( Jorge Ben Jor)


Acordou num feriado destes ligados a questões de orgulho a pátria e perdeu determinado tempo se olhando enfrente ao espelho, era muito bonito e sua barba crescia como grama, se admirou sem muito ogrulho durante certo tempo.
Levou sua mão até o barbeador e ia se por a fazer o óbvio.
Se pôs.
Levantou a lâmina afiada do barbeador até ficar ameaçadoramente prateada e paralela a seu bigode que com paciência chinesa foi sendo desvenciliado de seu rosto. Ernesto acabou com os sonhos da multiplicação que seus pelos poderiam ter .
Ernesto não gostava daquilo, mas parecia gostar pois era obstinado e meticuloso, nunca um capadócio como seu tio Arnolfo que sempre fazia a barba de qualquer maneira, deixando alguns pelos órfãos mendigando pelas bochechas, não gostava muito de órfãos, talvez por ter sido maltratado pelos gêmeos Sidney e Ciro, que moravam com a avó na antiga casa verde perto da farmácia em Nova Iguaçu, onde passava seus fins de semana com o pai aposentado que fazia pipas e vendia cerol ilegalmente.
A lembrança das pipas vinha, e montes e grupos de cabelo se soltavam do rosto pacientemente.
Primeiro os do papo embaixo do queixo, eram feios e enrolados e difíceis de sair, além de coçarem, como coçavam...
O queixo não poderia escapar, com seus pelos salientes que pareciam oriçados e festejantes.
O dia era calmo e passaroso, os Bem-te-vis e suas flautas internas ocasionavam pequenas rupturas de trinta e cinco centímetros na paz.

O clima de paz esburacada era a melhor descrição para a cor que pintava o diafragma de Ernesto; Ernesto tinha uma beleza digna de admiração que ia se revelando ao passo que seus pelos “dexistiam”.
O sujeito , absolutamente calado olhava o espelho em sua forma retangular, e olhava seu rosto e suas várias formas geométricamente variadas era manhã cedo que cheirava a desenho animado...Ernesto nunca parou para refletir e refletia na frente do espelho.
Ernesto tinha fulgurantes olhos azuis, que pareciam rolar oníricos em suas órbitas desprotegidas senão pelas pálpebras rigorosas, porém leves.

Ernesto direcionou seus olhos por toda a casa, até o momento encandecido em que paralizou-se mirando o telefone, que estava sentado sobre uma antiga mesa de madeira ao lado da cama, os fios do telefone eram como pernas de uma menina bela que vai a um balanço e se põe a balançar com as pernas serelepes no ar.
Parecia seca, porém mágica a fitada que Ernesto dedicou ao objeto de comunicação, pois no exato momento em que o rapaz deitou sua atenção sobre o telefone...ele não tocou.
O barulho que o telefone não fez era simples ,como toda vez que o telefone não faz barulho, porém parecia realmente ensurdecedor, num tom tão complicado , que nenhum músico mesmo que com orquestras das mais sinfônicas,imperiais, estrombólicas ou seja lá que tipo de evolução tivessem, jamais conseguiriam reproduzir nem parecido.
Ernesto sentiu a dor no mais profundo de seus ouvidos, nunca ouvira aquilo daquela forma, o telefone nunca não tocara de maneira a eriçar todos os pelos de seus braços e lotar a porta dos seus olhos de água salgada.
Ninguém ligara, ninguém nunca ligou...lembrando de sua solidão, Ernesto lembrou que ninguém lembrava de sua solidão, só ele, só...só.
Derrubou alguns pelos da bochecha esquerda e limpou lentamente a lâmina.

Se alguém fosse descrever a cena, diria que era um sujeito fazendo a barba enquanto chora, mas a verdade é que Ernesto estava chorando enquanto fazia a barba.
Mirou a fechadura da porta com os olhos mareados com uma expressão no rosto muito parecida com a que Ciro ou Sidney fazia quando Dona Neide brigava com eles por importunar garotos mais fracos como Ernesto.
Em respota ao olhar expressivo do rapaz, a porta não abre e mantém a aparência cabisbaixa que toda a casa parecia ter.
Ernesto aguça a sua percepção para ver se era capaz de ouvir alguém tocando a campainha, mas não há ninguém, nunca houve.

Ernesto apenas respira fundo e assume expressão de quem sabe o que fazer, o peito parece dar um coice.
Ernesto levanta seu braço ainda trêmulo até a parede, e apoia todo o seu corpo neste mesmo braço, limpa com minúcia a gillete e põe-na no rosto, de modo a deixar claro que o óbvio a se fazer seria se livrar das costeletas e então, Ernesto arranca sua própria orelha.

O sangue se declamou pescoço abaixo antes mesmo da orelha tocar o chão, observou atento sua orelha de um ângulo inédito, três Bem-te-vis cantaram juntos ao mesmo tempo , todos de olhos arregalados como o meu estaria se eu estivesse lá, mas nunca o de Ernesto, que agia como se tudo já tivesse sido cuidadosamente definido antes.
Bem-te-vis, fora o que o ouvido que restou preso a cabeça pode detectar.
O caso não era ódio de Ernesto por Bem-te-vis, e sim preferência por uma voz que usasse mais consoantes em suas falas, uma voz humana, porém as lágrimas que se misturavam com o sangue fizeram Ernesto se decidir , não precisava ouvir a ninguém, raspou uns pelos da outra bochecha, semicerrou os olhos com determinação e feito bote de cobra, atacou com a lâmina a orelha que sobrava...não precisava ouvir a mais ninguém!

Alma tonta, corpo leve e sem orelhas , aquele era Ernesto , sólido e ainda um pouco paralizado, dizem os Bem-te-vis, que ele soltou um grito de agonia exibindo todas as veias da garganta e o fazendo até cambalear sem fôlego num esforço nunca feito antes , mas não poderia ouvir nem que usasse de mais força.
O sangue rastejava no chão feito uma cobra vermelha lenta como se lambesse o chão de toda a casa.


Quatro Bem-te-vis, voaram cantando janela adentro, Ernesto só os viu voar.
Ernesto pegou suas duas orelhas ,levou a seu quarto ,passando pelo telefone que talvez tenha não tocado novamente mas nunca o saberia, prefere assim...
Abre a gaveta embaixo da televisão e deposita as orelhas lá.
A imagem na Televisão revela alguém dizendo qualquer coisa, Ernesto não seu importou. Se ele falasse, também ninguém iria se importar , não tinha orelhas, mas para ouvir Ernesto ninguém tinha mesmo.
Levou sua mão triste até a gaveta ao lado da outra gaveta onde estavam suas orelhas e pegou um rolo de fita adesiva, tapou a boca com vontade, e depois de certo tempo uma núvem anda um pouco mais pro lado e Ernesto começa a retirar a fita com lentidão psicopática e vai sentindo na pele todos os músculos de sua boca se soltando da face até que a boca batera no ar-condicionado e se espatifa no chão quebrando quatro dentes e rachando o lábio.

Parecia realmente incompreensível uma imagem daquelas, ainda mais para um jovem astrônomo recém- formado.
Segundo os cinco Bem-te-vis que se juntaram, Ernesto tentava rir de tudo aquilo com uma soberba descomunal, mas não era um riso completo, já que Ernesto era nada mais que uma parede facial.

A situação para Ernesto parecia ter uma graça que talvez não fosse entendível para mim ou para você...

Não era mais tão bonito quanto aos moldes regulares de beleza, mas ao se olhar no espelho não sentia nada...se perdera em longos segundos que se assemelhavam a dias de sol ferrenho ,vendo o seu reflexo que não lhe dizia nada.

Sem orelhas e sem boca, Ernesto já não era tão Ernesto assim , mas ao mesmo tempo era mais Ernesto do que nunca.
Amargurado solitário, preso em si mesmo, respirando um ar seco da manhã ainda com dificuldades,não gostava de dificuldades, então prendeu a respiração obstruindo as narinas e fazendo que com tanta força, seus olhos fossem expulsos das órbitas e lançados contra o vento matinal cortante da Tijuca.
As duas esferas voaram pelo quarto como projéteis obstinados, a obstinação que faltava em Ernesto para viver, fora lançada furando o vento, os olhos puderam ver toda a casa e rodavam no ar.
Para os olhos de Ernesto, o mundo girava em direções cada vez mais inovadoras até que caíram num pequeno jardim que fora colocado ali não para abrigar órgãos ,mas apenas para dar um tom mais alegre aquela casa de aspecto tão triste.
No jardim, nada mais que dois olhos que jamais viram o mundo de maneira tão bela , e sem pálpebras para limitá-los, os dois não tinham mais órbitas para rolar, mas sim rosas, rolava entre as rosas...e as rosas eram todas amarelas.
As plantas doces tinham uma densidade peculiar que fazia os olhos lacrimejarem regando as rosas pelas laterais.


Quanto a Ernesto, este só tinha o nariz no rosto.
Parado em frente ao jardim , Ernesto sente um pouco de saudades, mas pensa que realmente é melhor assim até que...seu nariz senti um excesso de saudades dos olhos e se lança nas rosas, e o aroma quase que fura a parte superior de seu nariz que cai...deixando Ernesto sem rosto.

__Ernesto não tinha rosto, não por ter nascido assim, mas apenas por não achar necessário.__



Choraria se tivesse olhos, mas eles agora pertenciam as rosas.
Teria dificuldade para respirar se tivesse nariz, mas ele agora pertenciam as rosas.
Pediria socorro para algum santo se tivesse boca, mas ela agora pertencia as rosas.
...e as rosas eram todas amarelas.

O céu explode e uma revoada de Bem-te-vis agressivamente linda, vindos de uma núvem em formato de cozinheiro segurando um trem, entram na casa de Ernesto e pouquíssimo tempo depois retornam com a boca e as duas orelhas entre as finas patas e largaram entre as rosas.

Todos os Bem-te-vis, pararam e encararam Ernesto, pois sómente Bem-te-vis poderiam encarar um cara sem cara.
E como num duelo os dois têm uma conversa sem som e perturbadoramente gostosa, Ernesto abre seus braços ,suas bochechas agora lisas e livres de pelos, e sua testa agora livre de olhos se contraem formando um sorriso, e os bem-te-vis voam ferozes e rascantes para dentro do peito de Ernesto, e passaram a ocupar o lugar do seu coração , enquanto que este órgão cai nas rosas ...que eram todas amarelas.

Fim

4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Nossa, durante uma boa parte do texto fiquei com a respiração presa. Mas o final é tão redentor que vale a pena ter guardado todo o ar pra poder soltá-lo num reconfortante suspiro.
;*

4:14 PM  
Anonymous Anônimo disse...

ficou mt bonito o texto...
eh o famoso ditado: quem ve cara nao ve as costas.

5:37 PM  
Anonymous Anônimo disse...

maravilhoso brilhante ,minha mãe leu e ficou com medo

8:11 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Fantástico

8:15 PM  

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