
SOBRE O FIM DEPOIS DO FIM
EPÍLOGO
Cícero realmente não concordava com aquilo tudo, embora tivesse achado um desrespeito fenomenal a destruição de seu lar, não queria acreditar que seus irmãos poderiam ser vis o suficiente a ponto de queimar o tal invasor. Punição ele até concordava, mas agressão física era demais. Seria cúmplice forçado de uma atitude bárbara e sem cabimento, a execução de um inimigo. Emburrou-se e foi pro canto da sala onde cobriu o rosto e começou a chorar silenciosamente, agora a fraternidade tirava sua máscara diante do poder. Ele, nada podia fazer... A hierarquia funcionava ali e ele era o mais fraco.
Heitor, reconhecendo o minúsculo som do choro de seu irmão caçula, reprovou-o com uns cinco ou seis palavrões, seus olhos refletiam a caldeira em chamas e transpareciam sua alma incendiada pelo ódio. Suas brincadeiras habituais foram substituidas pelo sadismo de um atiçador de lareira com a ponta avermelhada de tão quente, que ele investia contra o corpo do invasor gritando de dor. Heitor ria, vibrava com a vingança por meio de passos dessarranjados que dava ao som rústico da flauta ininterrupta do irmão primogenito.
Ele sabia de tudo. Tinha a experiência, o saber e o controle do clã. Desde a idéia inicial da emancipação, sua mente maquiavélica já previa a destruição e por isso ele se fortaleceu, não necessitava de brincadeiras pois tinha sua flauta, que agora, ao calor do momento ele tocava com paixão. O movimento escolhido foi o do primeiro quadro, do quarto ato de “Fausto”, ópera de Gounod, muito apreciada por ele pela riqueza de harmonia. Não se levantou um segundo sequer de sua poltrona, de onde acompanhava toda a carnificina do irmão. A taça de vinho estava ao alcance, as almofadas bem assentadas e se tivesse fome poderia alcançar petiscos sem muito esforço. Já estava tudo armado, ele era Prático, de nome e de personalidade.
A imagem ficou turva pra Heitor quando sentiu suas costas se dilacerarem, o brilho da lâmina fez o Gounod e o choro silenciarem, dando lugar a esguichos de terror que Heitor soltava enquanto se debatia pela casa. Preso a cadeira pelo choque da imagem, foi a vez de Prático, que sentiu seu flanco invadido por um frio súbito e cortante, agora suas árias eram de morte, a inteligência vazava junto com o sangue. Cícero tentou fugir mas patinou no sangue de seu sangue e caiu de lado machucando-se. Chorou, não silenciosamente como antes, mas como quem sentia a morte prateada chegar e se preparava para o que seria seu último suspiro, e foi.
Mais tarde, os três dilacerados, trocaram em miúdos enquanto o fogo esquentava sua união. Ninguém era mais ninguém, fraqueza, ódio e arrogância fervendo na mesma panela.
E as pessoas que comeram o sarapatel foram felizes para sempre.
FIM
1 Comentários:
é... tirou o meu apetite...
hehehehe
bjos!
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