
Assassinados por Billie Holiday
Orlando Caramelos era um trocador de ônibus,que se levantava antes do Sol,tomava o mesmo café com leite muito mal feito por suas mãos sem habilidade culinária,ia pegar seu uniforme tão sempre azul e simples,ligou o rádio e uma música estranha que dizia algo que não devia ser lá muito feliz,enquanto cortava o seu pão e passava a manteiga rançosa ,não dando a mínima para a sofreguidão empostada na voz da mulher,"deve ser uma negona", pensou ele pelo jeito que a mulher gritava,comeu o pão fazendo um craque que nada tinha a ver com o tom da música,seu braço doia,mas nada que não desse para aguentar durante todo o dia.
Billie Holiday,apresentou-lhe inutilmente Toni Lazarão que estaria com os ouvintes por mais 3 horas mandando ótimas canções com o oferecimento dos dedetizadores Niterói.
Olhou preocupado para o relógio e como se tivesse levado um choque pulou da cadeira e foi tomar seu rumo.
Aquela música não saia de sua cabeça era como se estivesse apaixonado por ela,no exato momento em que sua cabeça se esvaziava de pensamentos,lá estava a música dando as caras em sua cabeça,as súplicas da provável negona reinavam naquelas horas que se seguiram.
Entra no trabalho,cumprimenta o Filardes e segue caminho.
Entra no primeiro ônibus do dia desanimado e guiado por aquela melodia.
O ônibus parte e é aquela monotonia típica...Locadora,Padarias,Botecos, Lojas Americanas,Bar do Cunhado do Vicente e como complemento a mesma piada que o motorista sempre fazia ao passar pela casa de luz vermelha"Um dia ainda arrumo um emprego aqui".
Batia o pé no ritmo daquela música,não era mais incomodo era como uma parte de seu corpo,o ônibus andava como que forçando a todos a dançarem,até o barulho das freadas eram realmente compactuantes com o tom da música,o mundo naquele instante não era mais aquele de sempre e Orlando adormeçe com o timbre confortável da negona de sua cabeça e acorda com a voz de uma senhora sorridente que lhe deseja um bom dia,que mesmo que da boca pra fora parecia tão...tum dum tum da tum tum du dá!.
Tudo realmente estava cantando ,naquele dia dava troco pra cinco dez e até vinte rais,tudo tão amenamente.
O ritmo era de filme mudo, o que falavam pra ele nessas alturas realmente não importava,só os chu-chus que vinham e não iam mas.
Era meio dia e o Sol,não perdoava, porém tudo era incontestavelmente confortável, e seus incomodos já a muito tempo mortos, assassinados por Billie Holiday.
Foi almoçar e uma gorda senhora negra era quem estava vendendo os sarapatéis lá no Neco, disseram que é sua nova namorada, e também disseram muitas outras coisas sobre o fluminense e sobre sei lá ...Getúlio Vargas,mas Orlando não sabia de outra coisa senão do incrível "What's in the moonlight and you", nem terminou de comer o sarapatel e se decidiu por ir ver se achava esse disco em algum lugar,largou sua garrafa de mineirinho e se perguntou como ele ia falar o o nome do disco mas isso pouco importava tinha que consegui-lo.
O Sol era bravo e não poupava ninguém , e convocava gotas para sair do rosto de Orlando e elas iam felizes e escorregadias, várias delas pousaram nos seus olhos,tentou abrir mas não enxergava direito, quando finalmente conseguiu, tudo havia mudado, o mundo não tinha mais cores, era tudo preto e branco como nos filmes do Chaplin que ele uma vez comprou na banca perto de sua casa, agora estranhamente as pessoas passavam com uma elegância nunca antes reparada.
Orlando se assustou de tal maneira,que parou abriu bem os olhos chocado,as pessoas não seguiram seu exemplo , e de repente ele apenas ouve o silêncio, e do fundo de seu coração,suas batidas orgânicas começam a se converter em marcante e magnífico....jazz.Orlando sente que não há mais nada pra ser feito,se rende completamente a força do coração e como se fosse um espasmo,sua perna esquerda se move,depois os dedos da mão direita a cabeça que da a ignição para todo o corpo,que agora se empenha nessa dança graciosa,e a cada segundo mais dominante que foi o jazz vindo da sua cabeça com as batidas combinadas com as do seu coração, e assim tem sido nos últimos 8 anos que Orlando Caramelados fica na rua das Flores na Tijuca dançando coforme sua própria música, pouco se importando agora com os poucos passos que teria que dar para alcançar a loja de discos mais próxima,hoje em dia ele apenas dança, e com os poucos centavos que ganha se alimenta com Mineirinho e pastéis, que compra no boteco do Neco e dizem também que até hoje só ficou triste uma vez,quando o Neco terminou o Romançe com a simpática moça negra.
( texto do blog antigo...www.podebeijaranoiva.blogspot.com...)
1 Comentários:
Adorei, Rodrigo. "...hoje em dia ele apenas dança, e com os poucos centavos que ganha se alimenta de Mineirinho e pastéis..." Muito bom!!!
Cris
Postar um comentário
<< Home