terça-feira, abril 25, 2006

Por motivos de forças maiores do que a força maior, o colunista REMO não postará esta terça (25), tendo ele já postado no domingo (23 - Ver Arquivos), em seu lugar, um colunista convidado: Gabriel Tupinambá. Semana que vem tudo volta ao normal... Boa Leitura!

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ESTRATÉGIA OBLIQUA DE CONTA A TUA HISTÓRIA.


se as palavras. livro aberto na página 52 (pulou umas dez no meio de um capitulo em que vicente tomava banho e comia miojo) e a mochila recheada de inutilidades, tudo isso sentado num banco de praça em algum lugar na praia de botafogo. gabriel tinha almoçado até que cedo, mas a fome ameaçava novamente, como uma melodia irritante (“tenho foooomeee...”) ou a necessidade de preencher um vazio. o sentimento de que alguém espiava por cima do ombro o mantinha na mesma posição, um misto patético (como todas as estatuas que se mexem) de drummond em copacabana e uma roupa que não fica pendurada na maçaneta. a sensação de não pertencer à maçaneta – algo sentido mais como um desconforto na alma, um não-querer querer ler, um cansaço qualquer – afasta gabriel do preto e branco do livro. os olhos continuam fixados na página por dever cívico talvez, mas o texto atravessa os dois como uma paisagem distante, da qual não se pode distinguir muito bem se aquilo é um poste ou uma árvore. de qualquer forma, os olhos traem o leitor e o homem da mesma forma e ameaçam seguir o modo como o rabo daquela garota encaixa perfeitamente no vestido que ela escolheu usar hoje. vestido florido. azul e branco. olhou de novo pra pagina bicolor do livro e viu a fome, a distância entre as letras e aquela curva inefável que a bunda da garota faz no vestido (quantas flores, quantas repetições entediadas do mesmo padrão de tecido para desvelar o teu segredo, mulher?). se ajeita no banco. pisca os olhos. se as palavras.

zélia decidiu-se finalmente pelo táxi, afinal, está muito quente hoje e o sorvete ia derreter todo no ônibus. além do mais, zélia está cansada de ter sua camiseta grudada no assento por causa do calor. está cansada de olhar para corrimão de ônibus e lembrar que nenhum homem encosta nas suas coxas desde que seu finado marido passou a se chamar finado marido ao invés de andré ou amorzinho. ela estica a mão e sente quantos anos ficam para trás, quantos quadros do dali seriam necessários para segurar toda essa pele flácida de volta no lugar. o sono, o calor. nenhum táxi pára e zélia se assusta com o tráfego na nossa senhora. enrola o plástico da sacola no pulso e arrisca outra investida contra o rio de automóveis. dessa vez sente a fisgada e um táxi encosta. se ajeita e coloca o porto de galinhas de volta no centro da camiseta. o taxista não abre a porta e isso irrita zélia, afinal, está muito quente e o sorvete está derretendo. ao colocar a mão na maçaneta, a porta magicamente se abre e uma guria de uns vinte e poucos anos sai com cuidado do táxi, se despedindo do motorista (júlio, recém divorciado, uma menina de três anos, completamente deliciado com os olhos cor-de-mineiro-que-vê-pela-primeira-vez-o-mar, da jovem que não lhe deu nenhuma gorjeta). zélia olha com desprezo para a garota. é muito fácil caber num vestidinho como aquele quando não se trabalha desde os dezesseis anos. entrou no táxi reclamando do calor, falou pro motorista como está cansada de fazer compras enquanto seu marido fica em casa sem fazer nada, o safado. mesmo sem resposta do motorista que observa a menina sumir atrás de uma esquina (júlio podia ao menos tê-la lembrado de que seu marido estava tão morto quanto as suas coxas), zélia continua falando por toda a viagem, até que o sorvete esteja na geladeira e o vestido azul e branco da guria pare de contrastar como o céu e o inferno com a sua pele bronzeada.

encontrou no fundo do copo outra frase de efeito. custou a tirá-la de lá, quase usou os dedos. todas as celas são do mesmo tamanho. boa, diz carlos e levanta sua latinha meio cheia. sua resposta é não só um silêncio oblíquo, uma maneira de evitar o óbvio (tipo: valeu, custei a tirar do fundo do copo essa, quase usei os dedos...), mas um mergulho rápido nas possíveis razões pelas quais ele bebe cerveja no copo e carlos direto da lata. copo é um intermediário que eu dispenso, ouvira uma vez. isso sim é frase de efeito. se imaginou com os amigos no bar. ué, mário, e o copo? cara, copo é um intermediário que eu dispenso. sorriu para os amigos imaginários e por um segundo se viu sorrindo para carlos, parado na sua frente. um ruído distante anunciava outro gol do américa sobre o fraco time do flamengo. virou a cabeça em busca de uma televisão e, antes de voltar-se para a bancada de novo, ouviu o suave farfalhar do vestido e dos cabelos louros. entre o tempo de ouvir o oi e olhar mais uma vez nos olhos dela, mário pode estudar cuidadosamente em sua mente a topologia utópica do seu corpo, a maneira com que deixa o braço e a mão de carlos descansar firmemente em seu quadril. apostando consigo mesmo que, ao olhar em seus olhos e dizer um oi de volta, vai ser transportado umas cinco ou seis quadras e jogado no mar de copacabana. disse oi, encarando as janelas de frente (rodando o copo vazio de cerveja entre os dedos), e foi jogado no mar de copacabana. de volta ao bar, carlos soltou uma gargalhada e pôs-se a falar sobre segundos cadernos. mário continua brincando com o copo, evitando olhar para a invisível alça do vestido, mas os dedos molhados de cerveja deixam o copo escorregar e cair no chão. o casal olha brevemente para o amigo e volta a conversar sobre classificados. mário aposta consigo mesmo que em alguma parte do florido azulado do vestido dela existe o desenho exato dos estilhaços no chão.

sentado na calçada, viu o casal se beijando e um outro cara olhando pra baixo. pensou em flores e em como faz calor no rio.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

o que faz o header do Ceylão ali do lado? (?)

10:42 AM  
Blogger gduvivier disse...

Gabriel! Está no Rio? No Brasil? Estou aqui na sala do Pet (para o qual entrei) e te digo que a Puc sente sua falta. As coisas melhoraram por aqui (temos uma casinha, um jornal...) e assim perdemos um pouco a cara de curso de dona de casa. Mas sentimos falta de pessoas com o seu talento (principalmente no Pet, diga-se d epassagem). Aliás seu texto é ótimo, para variar. Bemvindo ao blog! Grande abraço!

11:49 AM  

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