sexta-feira, abril 07, 2006



O Apogeu de Braga Lima

Embora não parecesse havia um homem sob os lençóis, seu corpo para os observadores (que não jaziam por ali), se confundia mais do que facilmente com as marcas amassadas do edredom que se encontrava com uma metade no chão, como se durante a noite, o piso também sentisse o frio incomum que fazia não no Rio de Janeiro, mas sim naquele quarto e naquela alma, frio esse que no caso não seria mais tão incomum.
Era tarde para os que dormem, e cedo para os que trabalham, um horário bem particular, um horário a la Apogeu de Braga Lima, o rubro, o seco, o magro, e o a duas semanas gripado dono da perna que se mexia vagarosamente na cama, dando a todos os observadores(que não jaziam por ali) a quase certeza de que quem dormia , por algum motivo desistira dessa atividade inativa.
Na televisão, o Hortelino Troca-letras tentava pegar o Perna-Longa com todo o afinco, Apogeu assiste a alguns minutos da saga com cabeça tonelante ,enquanto se convence de que preparar o café seria um bom investimento para um futuro próximo.
Pensava no quanto seria triste a vida de Hortelino depois que ele finalmente conseguir pegar o coelho , e se distraia olhando lentamente os seus dedos dos pés, a campainha toca.
O acontecimento é digno da total dilatação de seus olhos e contração de seu peito. O barulho irritante daquela campainha estuprava o categórico silêncio das madrugadas onde Apogeu costumava ouvir o Sol nascer fedendo a manhã, a campainha toca.
Seu dente rangeu, coçou a perna e calçou o chinelo, pois provavelmente ficara gripado pisando no tal chão que carecia de edredom.
Fungada.
Desde muito pequeno todos os seus familiares mais velhos ou não sempre lhe disseram para nunca cometer este tipo de impunidade, a campainha toca.
Fungada.
O silêncio de sempre já não existia ,os barulhos ficaram numa constância tal ,que não seria possível considerá-las leves acontecimentos e sim fatos.
Fungada longa, espirro!
Mão na maçaneta ,nunca percebera o quanto o apartamento era velho,cuidadosamente vai girando a maçaneta da forma menos paciente que o sono poderia permitir, ela vai rebolando até que para ,e aporta não se abre, obviamente estava trancada...ressente que tem que voltar até o quarto para buscar a chave, a campainha toca.
Três fungadas cinco espirros.
Embaixo da foto que toda a família sorria numa bicicleta em Paquetá, havia uma gaveta( a campainha toca) que é aberta impacientemente e com a certeza de quem encontraria a tal chave lá( a campainha toca).
Estronda-a com tanta força ,que faz com que o pobre objeto saia em sua( campainha toca) mão.
Num canto, relógios, cartões de locadora, uma calculadora que o sete não mais funcionava ,poemas ,cartas( campainha toca, campainha toca ,campainha toca) e embaixo de uma fita de vídeo onde um especial do globo repórter sobre a vida do piru albino na Tanzânia estava gravado, estava ela,a chave, embora parecesse bem menor do que se lembrava( Campainha toca!).Quando que ,como num tapa pesado no rosto, se da conta que era chave da antiga casa.
Espirro.
Apogeu toma um impulso como se fosse mergulhar em sua gaveta e nada, em meio a poemas, lixo, poemas-lixo ...e nada.
(Campainha toca).
Num canto, jogado na gaveta como se não fosse tão importante , como se não fosse santo, um pedaço de ferro,que emociona, conforta e ameniza , Apogeu estende a mão até aquele canto e...se depara com a mesma chave da casa de Itaquatiara que ele já havia achado a trinta segundos atrás .
Agora, batiam na porta, a campainha toca.
Fungou fundo, mas não espirrou estava com ódio, não se espirra com ódio.
Batiam na porta, a campainha tocava... pela última vez.
Não, não era pela última vez: A campainha toca e batem na porta.
Apogeu tentava a segunda gaveta de forma voraz e além de animalesca... Tinha fome de chave (A campainha tocou e tocou).Pulou para a terceira gaveta inacreditavelmente e sem querer saber de absolutamente nada que se diferi-se do momento , uma imagem de São Sebastião era lançada com semi-violência para longe do interior da gaveta onde estava.
Com o passar do tempo e com o não passar da frustração, Apogeu começa a notar que os chamados cessam, é notícia triste demais para um coração daquele tamanho... o silêncio estrondou-se , o Sol começava a berrar sua chegada nos ouvidos sensíveis como o de Apogeu, ausência de sons ,exceto pelo pequeno tilintar do brilho no olhar doentio e vazio que deprimiria a todos os observadores( que não jaziam por ali) da cena brutal ,que acontecia naquele horário Apogeu de Braga Lima.
No chão frio do quarto, diversas reminiscências de vida, incluindo um reminiscência rubra, seca, magra e que além de gripado a duas semanas , nunca teve observadores ,nem visitas , ou ligações, que se sentia pior em progressão geométrica em pensar que da única vez em que alguém pareceu lembrar dele, para seja lá o que fosse...ele não conseguiu encontrar a chave...
Não conseguiu encontrar a chave...deitou-se no chão e pôs-se a chorar com o peito arfante ,pegou canetas e papéis e do chão mesmo,escreveu poemas doloridos ,foi tomar banho com poemas doloridos e mente em chamas,alma em chamas, tal como todo o prédio.
Vários vizinhos estavam observando o prédio com lágrimas nos olhos, bem abrigados na rua, felizardos na fuga da fumaça.
Apesar de todos estarem chorando, o choro de um se destacava ,era o do 507 ,que soluçava por não ter conseguido salvar o rapaz do apartamento que ficava ao lado da escada, apesar de ter tentado sucessivas e desesperadas vezes ,naquele momento o apartamento era lambido pelas mais vermelhas das línguas quentes ,quarto a quarto,todos os papéis,edredons uma chave esverdeada embaixo de um tapete , e uma imagem de São Sebastião crepitavam em combustão .
Os observadores (que não jaziam por ali) chorariam, pois ninguém mais tocava a campainha, batia na porta,espirrava,ou fungava.

FIM

4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

cadê o post de sábado, ué?1 ^o)

6:54 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Ótima história! Passou desta para pós vida Apogeu, pisado e negligenciado. Será que ele não cheirava a fumaça? Muito interessante e envolvente. Abraço Rodrigo!

7:47 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Gostei!

9:15 AM  
Anonymous Anônimo disse...

!.gente.!

3:16 PM  

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