terça-feira, abril 11, 2006






#1

O ônibus parou e Vicente embarcou. Cumprimentou o motorista e o cobrador, desde pequeno simpatizava com os profissionais do transporte público, tirou do bolso um punhado de moedas de cinco entregando ao cobrador, que satisfeito com a gentileza do rapaz contou os níqueis e sorriu agradecido: "É minha primeira viagem."
Era um mulato sorridente, seus dentes eram preciosas pedrinhas brancas separadas por fendinhas, devia escová-los todos os dias terrívelmente. O uniforme azul, bem passado e limpo, deixava escapar metade da palavra "Jesus" na camisa branca que vestia por debaixo.
Vicente sorriu de volta e sentou-se no primeiro banco da fileira, à sua frente o perfil daquele bom mulato, esmirrado, de sorriso débil e dentes de alvura invejável. O ônibus estava vazio, no banco ao lado sacolas de supermercado espremiam uma moça magra de olhos grandes no canto.Além da moça havia um casal enamorado sentado no fundo e um senhor gordo de longos cabelos brancos amarrados e barba volumosa sentado na parte da frente em um dos assentos discriminados para maiores de sessenta e cinco. Estava de costas para Vicente que mirava a nuca do senhor numa tentativa de fazê-lo virar, queria de frente a face do homem que achava ser Hermeto Paschoal. O ônibus ia lento, àquela hora da manhã não era normal o trânsito se tornar caótico. Relevou, ao menos teria tempo bastante para acertar no velho um raio suficientemente forte para fazer aquele corpo pesado se virar.A procissão de automóveis parava a cada cinquenta metros, numa dessas inúmeras paradas havia subido um único passageiro, um moreno de estatura média.



#2

A moça gritou, o cobrador gritou, o velho gritou e o motorista freou. Vicente chorou. Chorou pelo corpo e pelo revólver, pelo cheiro de pólvora, pelo susto. Pelo uniforme do mulato, manchado de sangue.
E ao ver o rosto do velho, que se revelava enfim branco como o de Hermeto, não assimilou a realidade e achou possível que ao som de um acordeon tocando Bebê a grua fosse subindo lentamente e o ônibus ficando cada vez menor, desaparecendo então como aquilo tudo.

( Enquanto bebia uma tigela de amendoins sabor shoyu deu uma rápida pensada na existência humana e concluiu que a casquinha era salgada demais )





#3

“-Indecente!”
Ouviu enquanto punha o pau na boca da menina.
Com o feixe éclair da bermuda compartilhou:
“ - Lascívia, estou quase nú. Sim, eu sou indigno.”





E gozou.




#4

Acordou com o pijama grudento na região da púbis.
Lavou o rosto , escovou os dentes, foi pro trabalho, voltou do trabalho, lavou o rosto, escovou os dentes.
Acordou com o pijama molhado na região da púbis.
Lavou o rosto , escovou os dentes, foi pro trabalho, voltou do trabalho, lavou o rosto, escovou os dentes.
Acordou com o pijama melecado na região da púbis...






#5

Sentia-se como um brigadeiro em mesa de festa.
Quando se viu entre seus próprios dentes tentou gritar.
Tratou de descer doce e macio como uma oferta de emprego.

( Pausa pro refresco )

Teriam que cruzar toda a Copacabana a pé velando a vontade de descobrirem os orifícios um do outro e se penetrarem com os dedos.

Adolescentes que apressam o passo com fones no ouvido quebrando esquinas na quarta-feira descobrem o sexo na madrugada.

Rapazes que pintam de azul o cabelo de corte moicano penetram os dedos num quarto de hotel por menos de trinta a hora.

De sexo, a noite toda furada de argolas vai ouvir rock’n’roll no iPod e descobrir crianças penetrando apressados a madrugada a pé.







#6

Outro dia dormiu bêbado e acordou noite.




# 7

Outra noite dormiu sóbrio e acordou cercado por números e letras.
Estava quociente do que se passava.
Tornara-se radical determinante.
Numa equação do primeiro grau.



# 8

Um logaritmo de base 10 invadiu sua casa e o fez de refém.

Ele conta que desde então tem somado e subtraído
Algarismos e caractéres
Tem dividido sílabas
E multiplicado fonemas
Diz não aguentar mais
Quer podar o mal pela raiz

Diz estar disposto a se internar numa clínica de inequação.

8 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Rapaz, muito bom! gostei mesmo!
a forma como tu tas escrevendo esta transportanto toda a cena, com clareza, pros olhos de quem lê.

parabens Remo!
abracao!

12:24 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Inaugurou hoje este sitio português? Imagina se vou ler algo deste tamanho?! Salvei no meu word num control copy para plágios futuros, mas ler nem pensar...

Escuta aqui ô assassino (matar pessoas?!) fragmentado sim, mas
em pequenas porções de caracteres né não!

fora da zona, maravilha de lugar!
Ao menos a música é boa!
O cinza não agride.
As caricaturas ou o que o valha)
são muito bacanas e por fim, o Ceylão também está aqui. O que em si já é uma garantia de qualidade, a não ser que isso seja um golpe de marketing, porque o link dele está dando erro...

Quem sou eu?! EU?!
Eu sou apenas mais um personagem caricato destes filmes nacionais que tratam nordestino como batalhador e sofredor...

2:18 PM  
Anonymous Anônimo disse...

num sei ainda, acho q falta egolir um pouco mas....ri..parei pra pensar, tipo ponta preta com clássico, ri de novo e depois comecei a levar mais a sério mas...sei lá....
ainda não sei, mas sei q gosto!

3:03 PM  
Anonymous Anônimo disse...

me senti agredido
de leve
um bom machucado

abrç.

J.

3:45 PM  
Anonymous Anônimo disse...

To ficando louco ou sumiu uma parte do texto? (pois eh...tenho dado pra ler voce mais de uma vez)

5:42 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Viajei em algumas paradas...
viajem boa

12:38 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Dorei! Mesmo! Os curtinhos são meio poesia marginal, à la Chacal.

Aliás, tô virando freqüentadora assídua disso aqui! Algo de bom pra ser fazer nos confins internéticos.

Beijocas..*

5:55 PM  
Anonymous Anônimo disse...

oi
consegui ler !!
ta muito legal... adorei...

9:34 AM  

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